São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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Vinil em miniatura

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria do disco avança pela era da miniaturização. A EMI brasileira reproduz o pioneirismo internacional de relançar discos de vinil em capas e encartes que reproduzem fielmente os originais -mas miniaturizados em CDs.
A série "Portfolio" -baseada em idéia da matriz inglesa, que lançou de Beach Boys a Pet Shop Boys- traz 19 caixinhas de três CDs cada, de artistas como Maria Bethânia, Djavan e Francisco Alves. Mais da metade dos títulos era inédita em CD (leia quadro).
A idéia é que o preço de cada caixinha seja inferior ao correspondente a três CDs comuns.
Segundo a gerente de marketing estratégico da empresa, Sônia Antunes, cada caixa é vendida a lojistas por R$ 27.
O projeto é primoroso -os formatos originais dos discos são preservados ao máximo. Isso causa um problema incontornável: muitos dos textos e letras de encartes são ilegíveis de tão pequenos.
O projeto não permitiria alterá-los, a decisão da gravadora é correta. Talvez devesse, no entanto, oferecer uma lupa de brinde -ou, opcional, por uns reais a mais- na compra de cada caixa.
Se a formatação é inovadora, a seleção é irregular, quase sempre direcionada a artistas e títulos de empatia popular. Vai de raridades inquestionáveis -Milton Banana Trio, Marcos Valle- a facilidades comerciais -Simone, Ivan Lins, Beto Guedes, Angela Maria.
É recuperação de história, não se deve deixar de comemorar. Só é chato lembrar quantos outros relegados pelo utilitarismo do CD a própria gravadora deixou de lado.
Exemplos? Clementina de Jesus, Demônios da Garoa (ambos excluídos com a estapafúrdia desculpa de não se terem encontrado as capas originais dos discos), Dorival Caymmi, Mário Reis, Elza Soares, Wilson Simonal...
Quanto aos lembrados, quem puxa a locomotiva é Maria Bethânia, com três discos antológicos de início de carreira, que incluem preciosidades como "Frevo Nº 2 do Recife", "Camisa Listrada", "Lama", "O Tempo e o Rio", , "Irene", "Pé da Roseira"...
Na ponta oposta, "Portfolio" propicia o prazer arqueológico inusitado de desvendar o Trio Esperança, num desaguar de clássicos tipo besteirol de jovem guarda -"O Passo do Elefantinho", "Filme Triste", "Bolinha de Sabão", "A Festa do Bolinha"...
Outras exumações curiosas: a bossa nova do Milton Banana Trio, as mineirices do Som Imaginário (grupo liderado por Wagner Tiso, que levou, na virada dos 60 aos 70, carreira paralela à de Milton Nascimento), os delírios carregados de Taiguara (aqui, fica faltando seu disco mais emblemático, "Imyra, Tayra, Ipy"), o rock rural de Sá, Rodrix e Guarabyra, o rock oitentista da Plebe Rude.
Mas a reexposição mais ousada deve ser a de três discos de Marcos Valle lançados entre 69 e 73. Aqui se tem em esplendor o discurso contraditório -às vezes esquerdista, às vezes de direitista; ora bossanovista, ora protesto, ora jovem guarda, ora tropicália; talvez libertário, talvez racista- da dupla Marcos-Paulo Sérgio Valle.
A mixórdia vai de "Mustang Cor de Sangue" ("a questão social e industrial/ não permite, não quer que eu ande a pé") às impecáveis "Jesus Meu Rei" ("Jesus meu rei/ fazendo lei/ busca a verdade real" -???) e "Black Is Beautiful" (em que Marizinha profere: "Eu quero um homem de cor!").
Igualmente engraçado é reouvir a obra completa da primeira fase da pioneira banda carioca Blitz, hoje ao mesmo tempo datada e moderna como poucas dos 80.
Na confusão, recuperam-se momentos mais sensatos, como o segundo, o terceiro e o quarto discos de Djavan, que contemplam "Seduzir", "Meu Bem-Querer", "Faltando um Pedaço" e outros hits de rodinha de violão.
Você pode questionar e destratar quase qualquer dos 19 eleitos, mas não pode negar: raras vezes se tem tido a oportunidade de reler a história da MPB por vias que escapam do óbvio e da unanimidade.

Série: Portfolio (19 caixas de três CDs cada)
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 38, cada caixa (preço recomendado pela gravadora)

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