São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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A crise dos municípios: ao sucessor, a verdade

FERNANDO DAMATA PIMENTEL; MAURÍCIO BORGES LEMOS

FERNANDO DAMATA PIMENTEL
MAURÍCIO BORGES LEMOS
A opinião pública nacional começa, em boa hora, a atentar para a crise dos municípios. De fato, para 80% destes, a situação é crítica: sobrecarregados pelo atendimento simultâneo das demandas sociais, da manutenção urbana e de novos investimentos em obras, diante da ostensiva ausência da União e dos Estados nessas frentes de atuação, os municípios vêem agravar-se seu quadro financeiro, com repercussões para seu desempenho administrativo.
Contudo, se o pano de fundo é esse, cabe ao analista evitar as generalizações e buscar explicações específicas para a situação de cada cidade. Recentes avaliações têm colocado, por exemplo, Belo Horizonte e São Paulo em condição de igualdade, debitando suas respectivas crises à irresponsabilidade dos gestores anteriores aos atuais. Repor a questão em seus devidos termos, pelo menos no que concerne à capital mineira, é o objetivo deste artigo.
O primeiro ponto a considerar, e que distingue fundamentalmente o caso de BH, é que, diferente de São Paulo, o problema básico da prefeitura não é, atualmente, o nível de endividamento, embora este tenha sido um impasse efetivo há cerca de cinco anos, quando Patrus Ananias assumiu a prefeitura.
Naquela ocasião, a dívida total da Prefeitura de BH chegava a R$ 495 milhões (em R$ de outubro/97), o que correspondia a cerca de 100% da receita corrente líquida. Atualmente, alcança R$ 470 milhões, o que corresponde a menos de 64% da receita corrente líquida.
Esse índice, relativamente baixo, significa a metade do nível de endividamento da Prefeitura de São Paulo (cerca de 130%). Ademais, lembre-se que o nível de endividamento do Estado de Minas Gerais é de 200%, e o do Estado de São Paulo, de 250%.
Por outro lado, a estrutura desse endividamento também não representa problema maior. A parcela de dívida de curto prazo de BH é bastante aceitável: em janeiro deste ano, início da gestão Célio de Castro, ela se situava em R$ 90 milhões, o que permitiu a sua total quitação no próprio mês, com a receita de IPTU e IPVA.
Há pouco menos de cinco anos, em janeiro de 93, o governo do então prefeito Eduardo Azeredo deixara uma dívida de curto prazo de R$ 216 milhões (igualmente a preços de outubro/1997), representando então um valor de quase quatro vezes a receita de IPTU e IPVA daquele ano.
Na verdade, no que concerne ao endividamento, o problema efetivo diz respeito às elevadíssimas taxas de juros praticadas no país, que empurram o serviço da dívida para níveis acima do que seria razoável. Mas essa é uma questão que, obviamente, não está afeita ao espaço de decisão do prefeito, qualquer que seja ele.
A dificuldade de caixa do município de Belo Horizonte, que resulta numa baixa capacidade de investimento, tem duas causas principais. Em primeiro lugar, a perda de receitas, transferidas em função de decisões políticas tomadas no âmbito estadual (a adoção, em Minas Gerais, de uma nova lei de distribuição de ICMS, alcunhada "Robin Hood", trouxe grande prejuízo para os maiores municípios) e federal (nesse caso, trata-se da prorrogação do famigerado Fundo de Estabilização Fiscal, bem como a edição da chamada Lei Kandir).
O conjunto das perdas, incluindo aquela trazida pela extinção do IVVC (Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis), atinge R$ 40 milhões/ano, mais de 5% da receita tributária total de BH em 1997.
Em segundo lugar, a crescente municipalização dos encargos nas áreas de saúde, educação, habitação e assistência social impôs uma expansão inevitável dos gastos com pessoal. E Belo Horizonte avançou mais do que outras cidades nesse processo.
Temos hoje 11 mil professores na rede municipal, contra, por exemplo, 4.000 em Salvador (com população superior à nossa) ou 7.000 em Curitiba.
Na área de saúde, a cidade conta com 175 centros, postos e policlínicas municipais. Para que se tenha uma idéia da extensão desta rede, compare-se com o Rio de Janeiro, que tem menos de cem postos, e São Paulo, com cerca de 150.
A esse processo (iniciado antes mesmo da Constituição de 88), somou-se importante recuperação dos salários reais na área de educação (em Belo Horizonte, o professor primário tem remuneração inicial de R$ 500 para uma jornada de 22 horas e meia semanais, ou de R$ 780 caso tenha formação universitária) e saúde (salário inicial de R$ 1.360 para médicos, com jornada de quatro horas/dia) -essa, sim, uma opção política do governo Patrus Ananias.
E não se trata de um excesso de liberalidade no trato da questão salarial. A despeito das inúmeras pressões de caráter sindical e corporativo presentes em todos os governos petistas, e mesmo tendo passado por três greves de professores, as concessões se deram em nível aceitável, beneficiando o conjunto do funcionalismo e buscando um equilíbrio que não viesse a comprometer a capacidade de investimento corrente e futura.
Houve apenas uma exceção: a área de saúde. Premida pela situação dos médicos, com salários defasados, evasão de quadros e dificuldades de contratação de novos profissionais, a administração municipal concedeu o piso salarial pedido pela categoria, o que gerou um efeito colateral traduzido em aumentos para o restante da área.
O resultado foi um "salto" anual de R$ 40 milhões na folha de pagamentos da prefeitura, embora a contrapartida na melhora do atendimento seja ainda uma incógnita. Assegurar essa contrapartida é, aliás, um dos desafios em que se empenha a administração Célio de Castro.
Por tudo isso, salta à vista que, embora mergulhados em crise financeira extensa e profunda, os municípios brasileiros têm especificidades que precisam ser consideradas em qualquer análise séria.
Em Belo Horizonte, não houve nem há improbidade ou má gestão administrativa, não houve emissão de títulos públicos para pagamento de precatórios ou qualquer outra finalidade (a cidade, aliás, nem sequer tem dívida mobiliária) e não há nenhuma evidência de desestruturação permanente das contas municipais.
Há, sim, um esforço continuado de atendimento da população em suas demandas sociais, que se contrapõe à política de terra arrasada do governo FHC. Essa opção pode implicar incompreensão de algum marinheiro de primeira viagem, mas certamente, e em grau muito superior, contempla o interesse da esmagadora maioria dos nossos cidadãos.

Fernando Damata Pimentel, 46, economista, é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e secretário municipal da Fazenda de Belo Horizonte desde 1993.
Maurício Borges Lemos, 46, economista, é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e secretário municipal do Planejamento de Belo Horizonte desde 1993.

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