São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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Boni vai escrever livro sobre rádio e TV

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de perder o poder de decisão na Rede Globo, após 30 anos de trabalho na emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, já "iniciou anotações" para escrever um livro sobre rádio, publicidade e televisão.
No último dia 25, Boni deixou de comandar a Central de Criação e a Central de Programação da Globo e passou a integrar o Comitê Estratégico da emissora. A superintendente-executiva da Globo, Marluce Dias da Silva, é agora a principal executiva da rede, presidindo o Comitê Operacional.
Ex-funcionário da Rádio Nacional, da agência de publicidade Lintas e da extinta TV Tupi, o vice-presidente de Coordenação Estratégica da Globo deu entrevista, por fax, à Folha, durante curta estadia em São Paulo -onde tem um apartamento, no bairro dos Jardins (zona sudoeste).
Ele disse estar aguardando os planos que a Globo tem para ele e nega a existência de qualquer contato para mudar de emissora, inclusive um possível convite de Silvio Santos, dono do SBT. A seguir, os principais trechos da entrevista.
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Folha - Entre os motivos da decadência das grandes redes americanas, segundo "Three Blind Mice", livro que o sr. recomendou, está a obsessão com o "controle de custos". Ele foi implantado na Globo. Ele pode afetar a qualidade e a audiência da rede brasileira?
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho - O controle de custos é essencial em qualquer empresa. Na Rede Globo, esse controle foi implantado por Joe Wallach. Por outro lado, o livro citado é muito mais abrangente do que uma simples história de controle de custos. O livro contém exemplos de erros que não devemos cometer, mas eu nunca disse que o livro estava descrevendo situações iguais ou semelhantes às que vive a televisão brasileira.
Folha - O sr. já disse que uma grande rede é feita com criatividade, que esse é o caminho para a audiência. O sr. acredita que a Globo deve buscar um outro nome para a criação, para manter-se à frente em qualidade e audiência?
Boni - Ao me desligar das funções executivas, estou deixando a casa arrumada. O Mário Lúcio Vaz e os diretores dos núcleos que eu montei estão capacitados a dar suporte criativo à Rede Globo. Criei o conselho de autores, renovei contratos de diretores, autores e elenco por prazos de até quatro anos. Mas, quanto mais gente pensando, melhor.
Folha - O sr. tinha participação em praticamente todas as fases, etapas e departamentos da emissora, chegando a compor música para a programação. Agora, como consultor, qual dessas áreas ficará mais órfã? E de qual o sr. não abre mão de participar?
Boni - Deixei também a mensagem de Natal que criei e foi realizada pelo Manga. Nesses últimos anos, implantei a Globo News com Evandro Carlos de Andrade e Alice Maria. Estou deixando para exibição no ano que vem as séries "Dona Flor e Seus Dois Maridos" e "Ninguém É de Ninguém". Também é minha a idéia do seriado "Mulher", que o Daniel Filho está desenvolvendo com a competência habitual. Reformulei o "Você Decide" e outros programas, deixando pilotos de gravação. Estudava com Mário Lúcio Vaz e Buzzoni a redução do número de capítulos de novelas. As áreas de engenharia, jornalismo, produção e comunicação foram estruturadas por mim e não ficarão órfãs porque deixei-as já adultas e bem-criadas. Assim, abro mão de qualquer coisa. Só não abro mão da disposição para o trabalho.
Folha - Com a sua saída, o sr. acredita que devem ocorrer outras mudanças nas direções de criação e programação da Rede Globo?
Boni - Um consultor apenas opina, não determina. As áreas em questão já estão diretamente ligadas ao Roberto Irineu.
Folha - O sr. acredita que também poderá deixar de manter um elenco contratado, sem trabalhar? O sr. teme que artistas como Dercy Gonçalves percam o apoio da emissora?
Boni - Acredito que a Rede Globo não irá dispensar as pessoas que ajudaram a construi-la.
Folha - Ocorreu algum contato entre o sr. e outra emissora após seu afastamento da Rede Globo? O SBT demonstrou interesse em tê-lo na emissora?
Boni - Já esclareci que não houve afastamento. O que ocorreu foi a antecipação de uma etapa do processo combinado com o Roberto Irineu. Sempre tive bons contatos e ótima relação com todos os nossos concorrentes. Todos sabem que eu tenho um contrato em vigor. Não recebi proposta de nenhuma outra emissora.
Folha - Quais são seus planos profissionais a curto prazo? Pensa, por exemplo, em escrever um livro sobre a sua experiência na Globo, como fez Walter Clark?
Boni - Não tenho planos a curto prazo. Estou aguardando os planos que a Globo poderá ter para mim. Não pretendo escrever um livro autobiográfico, mas já iniciei anotações sobre o rádio, a publicidade e a televisão, que, acredito, possam ser úteis aos estudantes de comunicação. Vou trabalhar nisso dependendo do tempo disponível.
Folha - Roberto Irineu Marinho e Marluce Dias da Silva defendem a "família" e questionam a "violência" na programação, entre outros pontos. Até que ponto uma televisão brasileira se sustenta com essa visão da programação?
Boni - Sempre defendi uma televisão voltada para a família. Sou eu que estou legando à empresa o Padrão Globo de Qualidade. O documento "Sensibilidade e Responsabilidade" foi sugerido por mim ao dr. Roberto Marinho. Acho que um veículo de massa pode manter sua audiência, mesmo com autocontrole. Acredito também que, além do autocontrole, só a família, no lar, tem o direito de interferir no que vê. Abomino a tutela e a censura.
Folha - É verdade que o sr. pretendia criar um Instituto de Qualidade na Televisão? Há possibilidade de que a idéia seja retomada?
Boni - Como parte da criação da Academia Brasileira de Televisão, pensei com o Luís Eduardo Borgerth em criar um Instituto de Qualidade na Televisão. Acho que o projeto deveria ser retomado.
Folha - O que levou à queda de audiência do "Jornal Nacional" nos últimos anos, período em que esteve sob o comando de Roberto Irineu Marinho e Evandro Carlos de Andrade? O que o sr. faria para que voltasse aos níveis anteriores?
Boni - Os fatores são diversos e a maioria deles independe do controle do Roberto e do Evandro. De qualquer forma, o jornal já recuperou parte de sua audiência. Não tenho receita de bolso de colete.
Folha - As três grandes americanas apresentaram uma ligeira recuperação nos últimos anos. O que elas ensinam às redes brasileiras, que enfrentam agora a concorrência da televisão a cabo?
Boni - A recuperação das redes americanas deve-se a uma retomada de investimentos e uma opção pela qualidade, embora os horários matutinos ainda estejam dominados pelo estilo "trash", com exposição de mazelas humanas e outros problemas semelhantes.
Folha - A hegemonia das Organizações Globo na televisão a cabo, que domina perto de 70% do mercado brasileiro, se manterá? A entrada de novos concorrentes pode democratizar também essa área?
Boni - Fui um dos primeiros a recomendar que a Globo entrasse no mercado de assinatura. Batizei e coloquei no ar a Globosat e os canais Telecine, Multishow, GNT e Sport TV, na época Top Sport. Acho que a Globo está agindo com competência. As participações de mercado, no entanto, vão depender não só da eficiência das empresas, como também das regras e rapidez das licitações, bem como das áreas a serem licitadas. Há controvérsias quanto a alguns critérios.
Folha - Com as TVs a cabo, por satélite e digital, que permite dividir o sinal da TV aberta, haverá espaço para uma rede hegemônica? Qual é o cenário que o sr. desenha da televisão na próxima década?
Boni - Para desenhar um cenário preciso, seria necessário ter bola de cristal, mas dá para perceber que dois caminhos estão claros: deve-se melhorar a qualidade do conteúdo e diversificar a distribuição do produto de todas as maneiras possíveis, incluindo atividades correlatas, como telefonia, transmissão de dados e todas as outras oportunidades que as novas tecnologias oferecerão.

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