São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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A USP, o muro e a difamação

JAIR BORIN

A USP, maior universidade pública brasileira, enfrenta graves problemas, que se acumularam nos últimos anos: distanciamento da realidade social do país, redução do quadro docente, baixos salários, desestímulo à dedicação integral e as mais altas taxas de evasão escolar de sua história.
Para enfrentá-los, são necessários o diálogo e o empenho de todos os segmentos envolvidos: docentes, alunos, funcionários e sociedade.
A universidade-fazenda, preocupada apenas com o seu patrimônio e fechada a estranhos, é arcaica. A nova universidade, além do ensino e da pesquisa, deve ser um fórum de debates, de discussões de idéias, de superação da exclusão social, cultural e física.
Impedir o uso do campus pela comunidade nos fins-de-semana, numa cidade tão carente de espaços públicos, é sonegar ao contribuinte que mantém o ensino público um direito inquestionável. Disciplinar e dar suporte a esse uso não é tarefa impossível.
Preocupada com os destinos da maior e mais conceituada universidade pública do país, a Associação dos Docentes (Adusp) desencadeou, desde abril último, um processo de debates para colher idéias e propostas, visando à recuperação do papel da USP no espaço nacional.
Depois de dez anos sem que esses problemas ganhassem projeção nos campi, os candidatos a reitor aceitaram o desafio do debate público e vieram discutir questões fundamentais para a emulação do trabalho docente, a melhoria do ensino, da pesquisa e do relacionamento entre universidade e sociedade.
Infelizmente, quando esses temas começavam a ganhar espaço na imprensa, ocorreu uma tragédia que acabou por direcionar a atenção do debate apenas para os aspectos da segurança no campus e do relacionamento da USP com a favela Jardim São Remo.
O menor Daniel Pereira de Araújo, de 15 anos, desapareceu nas imediações da raia olímpica, no dia de Finados, depois de ter sido perseguido por um segurança da universidade. Seu corpo apareceu boiando na própria raia, três dias depois.
A Adusp chegou a ser acusada de estar explorando o cadáver para fins políticos. Essa forma de crítica sempre é utilizada pelos setores mais conservadores da sociedade para desmerecer as manifestações de indignação e de protesto contra a violência praticada pelos que deveriam proteger a população.
Tenho insistido na tese de que um muro isola a USP da realidade que a cerca. Óbvio: não se trata apenas do muro físico, erguido na última gestão.
A USP é excludente sob vários aspectos. Reproduz uma práxis cultural que privilegia as classes mais ricas; não tem uma política que possibilite o acesso de jovens pobres e negros aos seus cursos mais disputados. Tampouco ela desenvolve um programa para se relacionar melhor com as comunidades carentes que estão atrás de seus próprios muros.
Por ser o presidente da Adusp e denunciar essa excludência, acabei sendo alvo de um ataque pessoal, de difamação, nesta seção, na qual esperava encontrar críticas fundamentadas às minhas idéias.
Um ex-aluno, de quem nem me lembrava, acusa-me de ter sido negligente nas minhas aulas, há 16 anos, diz que pratico um esquerdismo infantil e me atribui, ainda, outras baboseiras.
Não contente em me atingir, desqualifica também a direção do Sindicato dos Trabalhadores da USP, do Diretório Central dos Estudantes e até profissionais de renome que se indignaram com a morte do estudante Daniel.
Fui preso, por minha militância na resistência à ditadura, como dirigente estudantil, alguns meses após o golpe de 64, e como jornalista e professor da USP, em março de 1974.
Torturado, submetido a fuzilamento simulado, tive o tímpano direito rompido durante sessões de "telefone", mas nunca neguei a minha condição de socialista nem delatei companheiros.
Os dois anos e meio em que estive recluso não só me ajudaram a entender a realidade como a me indignar pelo resto de minha vida contra toda injustiça, discriminação ou exclusão social.
Após a anistia, compareci a manifestações de alunos e docentes da ECA pelo meu retorno. Não vi o sr. Ricardo Bonalume Neto em nenhuma delas. Talvez se encontrasse nas aulas etílicas do "Rei das Batidas".
Recontratado em tempo parcial, enfrentei dificuldades para conciliar minhas atividades de repórter especial da Folha e de editor da seção de agropecuária com a carga de aulas a mim atribuída no primeiro semestre de 1981.
Tão logo sanei esse problema, mantive e venho mantendo um dos maiores índices de assiduidade, em avaliações dos próprios alunos. Não contextualizar esses problemas em um artigo é transgredir a ética e manipular a informação.
O ex-aluno, em seu panfleto, só conseguiu reproduzir argumentos preconceituosos e acacianos para difamar o presidente da Adusp, em nome de quem não teve coragem para fazê-lo.
Manipular frases, aspeando uma parte do autor, e deformar a idéia -concluindo-a, depois, com uma afirmação que ele não usou- é, no mínimo, imoral. Sua conclusão sobre a morte do garoto na raia beira o ridículo: ele só morreu porque foi nadar em lugar "antes de proibido, impróprio". Nem as notas do DOI-Codi eram tão cínicas.

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