São Paulo, segunda-feira, 8 de dezembro de 1997
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"Este será o pior Natal do Plano Real"

FÁTIMA FERNANDES
REPORTAGEM LOCAL

A Casas Bahia, uma das maiores redes de lojas do país, está bastante pessimista quanto às perspectivas de vendas para o Natal e para o primeiro trimestre de 1998.
As altas taxas de juros, a inadimplência e o desemprego devem levar a empresa, que faturou R$ 2,85 bilhões em 96, a reduzir em quase 40% a receita de dezembro.
"Este será o pior Natal desde o Plano Real", diz Michael Klein, 47, sócio-diretor da Casas Bahia. A rede espera vender neste mês cerca de R$ 250 milhões. Em dezembro de 96 ela faturou R$ 400 milhões.
A venda de televisores, que chegou a 80 mil unidades no último mês do ano passado, não deve passar de 50 mil unidades neste mês.
Pelos cálculos de Klein, há hoje na indústria pelo menos 1 milhão de TVs em estoque, para uma venda que, nas suas contas, não deve ultrapassar 500 mil unidades.
Segundo Klein, a indústria eletroeletrônica, em especial, deve entrar em 1998 com estoque ainda elevado, o que deve desencadear grande número de demissões.
Por apostar em mais desemprego, a Casas Bahia acaba de traçar o seu plano de venda para os primeiros três meses do ano que vem. "Não vai dar para faturar mais do que R$ 200 milhões."
Desde que o governo dobrou os juros básicos da economia e anunciou o aperto fiscal, diz, as vendas da empresa caíram 34% na comparação com as de igual período do ano passado. De outubro para novembro, a queda foi de 10,9%.
Neste pior ano do Real, diz Klein, o faturamento da sua rede deve ser da ordem de R$ 2,35 bilhões, 17,5% a menos do que o do ano passado. O lucro líquido deve chegar a R$ 30 milhões, a metade do de 1996.
Ainda assim, a Casas Bahia está operando num ritmo muito superior àquele anterior ao Real. Em dezembro, a rede costumava vender cerca de 30 mil televisores e faturar entre US$ 100 milhões e US$ 120 milhões. Antes do Real, a Casas Bahia tinha cerca de 100 lojas; hoje, tem 250 pontos-de-venda.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Klein:
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Folha - Qual o tamanho do estoque da sua empresa?
Michael Klein - Nosso estoque, de R$ 241 milhões, está bem baixo, pois conseguimos comprar a qualquer momento da indústria, que nos procura todos os dias para oferecer produtos em oferta. Há cerca de 1 milhão de televisores em estoque na indústria. E é um número muito elevado, pois o país não deve consumir mais do que 500 mil unidades neste mês.
Folha - Qual sua estimativa de venda para este mês?
Klein - Devemos vender cerca de R$ 250 milhões neste Natal. No ano passado, faturamos R$ 400 milhões. Só em TVs esperamos comercializar 50 mil unidades neste mês. No ano passado, foram 80 mil unidades. Se a comparação for feita com períodos anteriores, aí sim estamos vendendo mais. Vendíamos 30 mil TVs no Natal. O faturamento em dezembro era da ordem de R$ 100 milhões a R$ 120 milhões. O que acontece é que o Real também trouxe despesa. Temos mais funcionários. Antes, tínhamos 100 lojas e hoje, 250.
Folha - A rede tem planos para enxugar o quadro de pessoal?
Klein - Nós acreditamos que estamos bem enxutos na proporção funcionário/venda porque não terceirizamos nada. Todos os motoristas de entregas e os atendentes de crédito, por exemplo, são nossos funcionários. Temos 782 caminhões próprios. Nós, aliás, somos o maior comprador não-estatal de caminhões da Mercedes-Benz. Adquirimos 200 caminhões por ano. Cada caminhão não tem mais do que quatro anos para não ter despesa com manutenção.
Folha - A queda do consumo deve abalar os investimentos para 1998?
Klein - Já temos 15 lojas próprias em construção para serem inauguradas no ano que vem. Elas devem absorver investimentos de R$ 10 milhões. Isso está garantido para 1998. O que pode acontecer é não sairmos à caça de novos pontos. Neste ano, nossa estratégia foi substituir 20 lojas fracas por 30 fortes. Isso custou R$ 20 milhões. Das 250 lojas, 65 são próprias.
Folha - A Casas Bahia consegue fechar o ano com lucro?
Klein - Sim. Substituímos as lojas menos rentáveis ou com prejuízo por novas. Não vejo a concorrência agir dessa maneira. O que também difere a concorrência da Casas Bahia é que nunca financiamos em prazo muito longo. Nosso crediário vai até 15 meses.
Folha - Qual é o tamanho da clientela que compra a prazo?
Klein - Cerca de 3,5 milhões de pessoas passam mensalmente pelas nossas lojas. Desse número, 3,3 milhões são crediaristas e 200 mil compram à vista. Antes do Real, tínhamos 1 milhão de clientes.
Folha - A inadimplência está sob controle?
Klein - Ela dobrou de um ano e meio para cá. Neste ano, ela já representa cerca de 7% do valor financiado. É o número mais alto da história da Casas Bahia. Mas já senti que depois do pagamento da primeira parcela do 13º salário entrou mais dinheiro para pagamento de prestações atrasadas do que para novas compras. As perdas com o crediário são de aproximadamente R$ 10 milhões por mês.
Folha - Como será o primeiro trimestre de 98?
Klein - Nós acreditamos que será bem fraco. Existe uma campanha muito grande de desestímulo ao consumo. Devemos faturar nos primeiros três meses de 1998 cerca de R$ 200 milhões. No ano, esperamos venda de, no máximo, R$ 2 bilhões, mesmo levando-se em conta a Copa e a eleição.
Folha - A Casas Bahia tem planos para abrir o capital?
Klein - A empresa recebeu, em 1996, autorização da Comissão de Valores Mobiliários para emitir debêntures. Nós já captamos R$ 300 milhões. Abrimos uma empresa de capital aberto, a Bahia Trust de Recebíveis S/A. Desde que fizemos captação, não precisamos mais pegar dinheiro nos bancos.
Folha - E a abertura de capital da Casas Bahia?
Klein - Não temos intenção de abrir o capital da rede. Sociedade com grupos estrangeiros? Não. O capital de fora, quando vem, vem para especular, para ganhar dinheiro e sair na melhor oportunidade. Brasileiro sabe gerir melhor os seus próprios negócios. Se for preciso captar recursos, vamos aumentar a emissão de debêntures por meio da Bahia Trust. Tenho autorização para emitir R$ 700 milhões e até agora só emiti R$ 300 milhões.
Folha - Como o sr. vê a situação econômica brasileira, após a crise que abalou a Ásia e os seus reflexos no Brasil?
Klein - Hoje o que percebemos é que o investidor que veio de fora para investir em Bolsa veio mesmo para especular. No primeiro sinal de desconfiança ele se retirou. O governo fala que saiu um dinheiro muito alto do país. Isso revela que esse investidor não é um bom sócio para se ter. Eu vejo que a Bahia ainda consegue passar todos os meses sem ter prejuízo. Se eu fosse um investidor estrangeiro eu aplicaria aqui o dinheiro em produção e comercialização. Não existe outra coisa que possa dar melhor retorno para o capital externo.
Folha - Qual o reflexo dos altos juros e do pacote na sua empresa?
Klein - Desde a elevação do juros, nossas vendas caíram muito. Na comparação com novembro do ano passado a queda foi de 34% e com outubro, de 10,9%. Não mexemos nos juros, de 6,9% ao mês, mas existe muito medo do desemprego. O consumidor sabe que vai entrar em férias coletivas e que depois pode ser dispensado, especialmente aquele que trabalha para a indústria eletroeletrônica.

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