São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 1997
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Líderes iranianos duelam em discursos

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM TEERÃ

Representantes de todo o mundo islâmico, presentes ao encontro da Organização da Conferência Islâmica (OCI), assistiram ontem a discursos opostos dos dois líderes do Irã, país que abriga a reunião dos 55 membros da entidade.
O presidente Mohammad Khatami elogiou as "realizações positivas" do Ocidente, enquanto o líder religioso e maior autoridade do país, o aiatolá Ali Khamenei, chamou o Ocidente de corrupto.
O que estava em jogo na manhã de ontem em Teerã não era a unidade do mundo muçulmano: era a unidade do Irã. O rosto do presidente Khatami não demonstrava qualquer traço de emoção enquanto ele o feroz discurso do aiatolá Khamenei.
Segundo Khamenei, "o Ocidente e sua civilização materialista estavam encorajando a gulodice, os prazeres carnais, a traição, a conspiração, a avareza, a luxúria, a indecência, a falsidade, a opressão, o desprezo, a incúria e a arrogância."
O que Khamenei tinha a dizer era bastante claro. O "processo de paz" não passa de um plano corrupto e ilógico para devolver as terras ocupadas pelos israelenses aos árabes em troca de ocupação permanente da Palestina.
Os norte-americanos, de sua parte, estavam "respirando sua malignidade" no golfo Pérsico a fim de colocar os vizinhos árabes do Irã contra a República Islâmica. O aiatolá Khamenei propôs que os 55 membros da Organização da Conferência Islâmica deveriam se tornar um sexto membro do Conselho de Segurança da ONU -com direito a veto.
Se os iranianos tinham a agradecer à intransigência do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, pela unidade sem precedente dos países islâmicos, é certo que os norte-americanos agora podem agradecer ao aiatolá Khamenei por ajudar a provar sua alegação de que o Irã não regula bem.
O discurso do presidente Khatami foi uma cuidadosa análise acadêmica, não-violênta, dos fracassos e sucessos do mundo islâmico. Reconheceu os benefícios, assim como os riscos, da civilização ocidental.
Se a franqueza do Islã vem da dominação ocidental, os muçulmanos devem "se utilizar dos frutos dessa civilização". Se os muçulmanos querem progredir, devem lembrar seu passado dourado, mas também possuir "a capacidade e senso de justiça necessários a empregar as realizações científicas, tecnológicas e sociais positivas da civilização ocidental".
Foi um discurso profundamente impressionante que deve ter despertado a humildade de líderes e ministros árabes (pouquíssimos dos quais conquistaram uma vitória legítima como a que Khatami obteve nas urnas). Mesmo Khamenei pode ter aprendido alguma coisa -se é que líderes supremos são capazes de aprender- com a poderosa ênfase que o presidente colocou nos direitos civis.
Khatami disse que o governo de uma sociedade civil islâmica "é o servo do povo, e não seu mestre". Khamenei ouviu esse discurso em meio à liderança religiosa e na companhia do ex-presidente Ali Akbar Rafsanjani. Não deixou dúvidas o que o presidente quis dizer quanto à necessidade de pôr fim aos "hábitos retrógrados e restritivos".
Democracia era o que ele desejava, e a linguagem empregada era fácil de compreender.
É verdade que os ataques habituais foram feitos contra Israel -"hegemônico, racista, agressivo.."-, mas a panacéia de Khatami para a crise do Oriente Médio não era muito diferente da ocidental: "A realização dos direitos do povo palestino, incluindo a autodeterminação, a volta dos refugiados, a libertação de todos os territórios ocupados, em particular Al-Quds al-Charif (Jerusalém)". Será que "todos os territórios" significa terras ocupadas fora de Israel? Ou o país estaria incluído? Khatami não esclarece esse ponto.

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