São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 1997
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Volume expõe decantação estilística de Noll

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Um dos encontros entre leitores e escritores promovidos pelo Instituto Moreira Salles neste ano em São Paulo foi com João Gilberto Noll.
Diferentemente dos que o precederam, em sua falação inicial Noll apenas leu trechos de seu último romance, "A Céu Aberto", para depois ouvir e responder às perguntas dos presentes.
O procedimento poderia ser banal, desimportante, mas, pelo contrário, acabou ganhando um valor estético e simbólico, expressivo do que é a obra desse autor gaúcho.
Pois, ao ler os trechos, Noll fazia-o de modo lento, a passo de tartaruga, como se pensasse cada palavra antes de enunciá-la.
Por mais de meia hora, ficou saboreando quase sílaba por sílaba, impondo um clima próximo da meditação, como numa sessão de ioga, em ritmo próprio, distante do frenesi urbano.
E é exatamente esse o efeito que seus oito livros -reunidos agora em volume único pela editora Companhia das Letras- provocam no leitor.
O autor, portanto, ministrava uma verdadeira aula de literatura. Mostrava, com naturalidade, como deve ser lida uma obra de arte.
Desde a estréia, em 1980, com os contos de "O Cego e a Dançarina", Noll, 51, vem ocupando um lugar típico, único na literatura brasileira de ficção.
Seus personagens estão sempre em locomoção, como se lhes faltasse terra debaixo dos pés. Seja em hotéis, seja em estradas, trocando de casa, nas ruas, expressam uma espécie de mal-estar insolúvel, uma procura cuja diluição parece alcançável apenas pela linguagem.
No prefácio a este volume "Romances e Contos Reunidos", David Treece, do King's College, de Londres, afirma que Noll "destaca-se no meio da conformidade (como) uma voz disposta a enunciar um sentimento de insuficiência diante do real, a certeza de que a potencialidade humana está travada e de que seus desdobramentos possíveis não foram esgotados".
Noll escreve à mão, seguindo muitas vezes a pulsação do seu corpo. Compõe textos em carne viva. Tal característica é presente em tudo o que publicou até o momento.
A obra apresentada em conjunto agora permite identificar, porém, uma decantação estilística, pela qual o autor se aproxima cada vez mais da linguagem pura, da poesia.
As referências reais de seus primeiros livros -nomes de ruas, por exemplo, do Rio ou de Porto Alegre- desaparecem nos dois últimos livros ("Harmada" e "A Céu Aberto"), deixando lugar apenas para as expressões e delírios telúricos dos personagens, elemento já presente no primeiro romance ("A Fúria do Corpo").
Segundo Nizia Villaça, no livro "Paradoxos do Pós-Moderno: Sujeito & Ficção" (editora UFRJ, 1996), Noll constrói "um caminho de despersonalização da arte, eliminação do próprio artista ou, pelo menos, drástica redução de seu papel como intérprete da existência".
Ela prossegue: "Caminho de desliteratização, com o que este processo pode suportar de provocações, repúdios, sedução ou, mesmo, imobilização fascinada do leitor hipnotizado pelo lento olhar do autor".
Tudo isso pode parecer etéreo, abstrato demais. Para quem esteve com Noll naquela sessão realizada pelo IMS, porém, fica fácil entender. Para quem não esteve, e ainda nada leu dele, o volume único agora editado é oportunidade para entrar no universo do mais instigante ficcionista surgido no Brasil desde o início dos anos 80.

Livro: Romances e Contos Reunidos
Autor: João Gilberto Noll
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 49 (785 págs.)

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