São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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A cartilha

JANIO DE FREITAS

Nesta hora de apreensões e inseguranças, é justo reconhecer a patriótica tentativa do PSDB para melhorar o humor nacional. É a nova cartilha do partido, orientando os peessedebistas a basear suas campanhas em 98 nas grandes realizações sociais do PSDB com Fernando Henrique. Já lançada a cartilha, a constatação da liderança partidária de que não há realizações sociais para sustentar a campanha foi, de fato, uma lástima. Remediável, porém, como logo se verá.
A primeira providência foi imediata. Há um trio do PSDB sempre correndo ao Planalto, e chamado por pefelistas e outros de "os três patetas", em alusão a antigos comediantes da gaiatice. Desta vez, o senador José Roberto Arruda foi substituído pelo senador Sérgio Machado, mas lá estavam os costumeiros Teotonio Vilela Filho e o deputado Aécio Neves.
Foram ao Alvorada, cartilha na mão, pedir a Fernando Henrique maior interesse do governo nos assuntos sociais, para alimentar a campanha. Afinal, o mote para 98 e para a cartilha foi dado pelo próprio Fernando Henrique, que considera esse tema uma brecha para a ação dos candidatos oposicionistas.
O problema é que esse negócio de social depende de ponto de vista, e o pessoal do PSDB, não o percebendo, incorre em injustiça com Fernando Henrique e com os parlamentares peessedebistas em geral. Não é preciso ir muito longe, o pacote atual é rico de definições sociais. A trapalhada em torno dos fundos de aplicação, por exemplo, deu-se em torno da medida de Fernando Henrique fixando em 20% o Imposto de Renda a ser cobrado dos fundos de renda fixa, que, por mais seguros, embora menos promissores, são preferidos pelos poupadores menores, pela classe média. Os fundos de aplicações graúdas, dos que podem aceitar o risco em busca de lucros gordos, ficam taxados só em 10% de IR.
É evidente a finalidade social. Percebe-se que Fernando Henrique foi crítico da tese de antes formar o bolo para depois dividi-lo, não pela doutrina em si, mas por achá-la de dimensão modesta. Sua metáfora não é o bolo, é a montanha.
O que se passa com o Imposto de Renda ali de cima é o mesmo que se dá com o imposto dos assalariados, descontado na fonte, e com o imposto sobre lucros. O fim da proteção ao valor dos salários, os três e logo quatro anos sem correção para o funcionalismo. Os mais altos juros do mundo remunerando os compradores de títulos de dívida emitidos pelo governo. Assim se faz a montanha, também chamada de concentração de renda, cada vez maior no governo Fernando Henrique.
Uma atrás da outra, as ficções estão sendo derrubadas pelas pesquisas socioeconômicas que o governo mesmo é obrigado a fazer, com o IBGE. Há duas semanas, foi a vez da melhoria alimentar da população graças ao Plano Real. Na última semana, foi-se a balela do favorecimento proporcionado aos salários pelo plano.
Em 93, os lucros e renda representavam 35%, e os salários, 45% do PIB, que é a soma geral dos valores gerados no país em um ano. Em 94, com o lançamento do Plano Real, os lucros e rendas subiram para 38% e a soma dos salários caiu para 40%. Já no primeiro ano de Fernando Henrique, 95, os lucros e rendas, com 40%, ultrapassaram a soma dos salários, decaídos para 38%. Acontecia a inversão das posições, acentuada mais em 96: os salários permaneceram perfazendo 38% do PIB, mas os lucros e rendas subiram para 41%. E não deixe de notar que grande parte dos lucros não é declarada, para sonegação de impostos.
O PSDB não percebe que há uma definição de objetivo social nisso tudo? Assim como lá em outra peça do pacote, para voltar a ele: a de alteração da Lei Orgânica da Assistência Social, que determina o pagamento de um salário mínimo aos de 70 anos ou mais e aos deficientes físicos cujos membros da família não ganhem mais de R$ 25 por mês, cada um. Fernando Henrique em pessoa comunicou que a idade mínima não baixaria para 67 anos em 98 e 65 em 2000, como ditou a lei, fixando-se em 70 anos. E que os pagamentos seriam suspensos, agora, por três meses.
O estado de total miséria dos atingidos fez muita gente apressada considerar o ato de Fernando Henrique como o de maior insensibilidade pessoal e estúpida crueldade já praticado por um governante brasileiro. Que seja. Não deixa de ser, no entanto, um passo ainda mais à frente de política social: apressa mortes em massa, o que permite ao governo dar mais a menos gente. Dar, bem entendido, quando a montanha e depois a cordilheira não aguentem mais acúmulo.
Até lá, é preciso cortar de muitos para dar a muito poucos. É o que está sendo feito, por exemplo, com o Orçamento para 98, no qual a saúde perdeu mais R$ 1 bilhão. Enquanto as obras do "Brasil em Ação", carro-chefe da campanha de reeleição, já entraram no Orçamento com mais de R$ 6 bilhões e ganharam, no contrabando de verbas feito pelo governo no Congresso, mais R$ 2 bilhões. As ilegalidades outrora feitas pelos "anões", em manipulações da proposta orçamentária, este ano estão sendo feitas pelo governo sem CPI.
Nada disso, nem tudo o mais aprovado pelo Congresso ou adotado por medida provisória, deixou de contar com o apoio político e parlamentar do PSDB. Ou seja, dos governadores, prefeitos, senadores e deputados peessedebistas. Já têm, pois, muitas realizações de sentido social para apresentar ao eleitorado como obra do PSDB com Fernando Henrique. Nem o país precisa de mais.

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