São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Miséria alimenta indústria de reciclagem

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil alcança este ano os Estados Unidos no percentual de latas de bebidas recicladas.
Lá, como aqui, 63% das latinhas de alumínio vendidas retornam ao mercado depois de amassadas, fundidas em chapas e reprocessadas. Lá, a coleta seletiva de lixo explica o índice.
Aqui, onde a coleta seletiva é desprezível estatisticamente, é o Terceiro Mundo que gera comportamentos ecologicamente corretos -a miséria alimenta a indústria da reciclagem.
Para quem gosta de ufanismo, o Brasil recicla proporcionalmente mais alumínio do que a Áustria (50%), o Reino Unido (26%) e a França (18%). Já somos quase uma Suíça (65%) nessa área.
A má notícia social é que o número de catadores que se dedica só às latinhas dobrou em dois anos, segundo José Roberto Giosa, coordenador da comissão de reciclagem da Associação Brasileira de Alumínio e diretor da Latasa, o maior fabricante de latas de alumínio do país.
Eram 54 mil em 1995, são 110 mil este ano. Má notícia porque catar lata é o último estágio de desespero do desempregado.
Ouro da rua
A latinha virou um fenômeno porque aumentou a renda do catador, segundo Manoel do Canto Neto, dono da Inbra Metais, empresa paulista que compra sucata.
A conta é simples. Uma tonelada de papelão vale R$ 50; a de alumínio, R$ 700.
"Latinha é o ouro da rua", compara o catador Eduardo Ferreira de Paula, da Cooperativa dos Catadores de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis. Mas, ao contrário do ouro, é fácil de ser encontrada e de ser transportada -não requer uma carrocinha, como ocorre com o papel.
Catadores como Marciano Pereira de Souza, 62, desempregado há dois anos, chegam a ganhar R$ 600 ao mês só com latinhas.
Bola de neve
A reciclagem de alumínio prospera no Brasil porque o reaproveitamento nasceu com a introdução do produto no Brasil, em 1989.
No ano seguinte, o país já reciclava 45,8% das latinhas consumidas. O percentual era alto, mas o volume baixo. Nos últimos cinco anos, a indústria cresce aos saltos -entre 1996 e 1997 o volume de latas produzidas aumentou 47%.
Com mais latas nas ruas, aumentou o peso da reciclagem. Neste ano, a estimativa é que a indústria recicle 51 mil toneladas -14 vezes o peso reciclado sete anos atrás.
As 51 toneladas correspondem a 867 milhões de latinhas. É como se cada brasileiro reciclasse cinco latinhas e meia este ano.
Como você nunca deve ter reciclado uma latinha na vida, é esse aumento no volume que explica o aumento de renda dos catadores.
Há dois anos, eles ganhavam meio salário mínimo em média. Ganham dois hoje, segundo a Associação Brasileira do Alumínio.
"O 'tchã' da latinha é que todo mundo ganha: o catador, a ecologia e o fabricante", diz Giosa.
É fácil estimar os ganhos do catador e do meio ambiente. Já o lucro da reciclagem é um segredo guardado a sete chaves.
Dá para ter uma vaga idéia da economia entre a lata reciclada e a novinha em folha.
O principal ganho é de energia. Converter bauxita em uma tonelada de alumínio consome 17,6 mil kWh. Para reciclar o mesmo peso, gasta-se 700 kWh -uma economia de 95%.
No ano passado, o país poupou R$ 28 milhões em energia com a reciclagem de latinhas, segundo estudo do pesquisador do meio ambiente Sabetai Calderoni, feito na USP.
A queda na poluição da água e do ar é de 97% e 95%, respectivamente, calcula Calderoni.
O fenômeno da latinha tem repercussão internacional, segundo Christopher Wells, diretor do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), uma organização não-governamental que estimula ações nessa área.
"O Brasil é referência mundial quando o assunto é microempresa de reciclagem", diz.

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