São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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A bolha

MOACYR SCLIAR

Não se sabe quem primeiro avistou a bolha, mas, em seguida, a notícia se espalhou e logo estava toda a população, de nariz para o ar, olhando a bolha. E era uma bela bolha, aquela, com sua superfície iridescente de mil cores. Não muito grande -uns 30 cm de diâmetro, talvez- mas, para uma época de penosa escassez em matéria de bolhas, esse tamanho estava muito bom.
Como teria surgido aquela bolha, era o que todos se perguntavam. Especialistas em bolhas foram chamados, mas quem decifrou a charada foi -surpresa- um economista.
"Trata-se" -disse ele, com a autoridade que lhe conferia a condição de expert -de uma típica bolha de consumo. "Não é um fenômeno raro. Bolhas assim surgem no fim do ano. Festas natalinas, propaganda, essas coisas. Nada de excepcional."
Essas prosaicas considerações em nada arrefeceram o entusiasmo das pessoas, que continuavam observando a bolha. Notaram que ela se movia, não era apenas o efeito da brisa; parecia procurar um lugar para, quem sabe, ali pousar. Como o balão do bilionário Richard Branson, que saiu voando sozinho, a bolha não obedecia a comando algum. Às vezes aproximava-se de um shopping, e parecia que ia entrar, outras vezes dirigia-se para uma feira natalina, no subúrbio. Detinha-se até mesmo sobre lojas modestas.
"Vem, vem", gritava a multidão. Uma obscura certeza se disseminara: se a bolha de consumo descesse à terra -melhor ainda, se entrasse em um estabelecimento comercial- tudo estaria salvo. As pessoas começaram a comprar, e, em consequência a indústria poderia vender. O acordo pelo qual empregados diminuíam seus salários -alguns diziam que breve estariam pagando para trabalhar- se tornaria desnecessário. A bolha de consumo era aguardada como o Messias.
No auge da comoção, aconteceu a tragédia. Subitamente -essas coisas são sempre súbitas- a bolha estourou. Por que estourou, não ficou claro. Um projétil secreto, talvez; por exemplo, um aviãozinho de papel contendo inscrita em suas asas a taxa de juros. Ou então sabotagem do FMI. Enfim: mistério. Um mistério que, suspeita-se, jamais será esclarecido.
O fato é que a bolha do consumo se foi. Espera-se que outra a substitua. Em matéria de bolhas, como em matéria de sonhos, só o céu é o limite.

O escritor Moacyr Scliar escreve neste coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

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