São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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A voz, aos 82 anos

DO "THE NEW YORK TIMES"

Frank Sinatra sabia disso havia muito: que os homens se tinham tornado lixo. Pareciam vagabundos e se comportavam como gângsters. Não tinham autoconfiança, classe, estilo. Estavam afundando no esquecimento de tanto tentar antecipar o que poderia acontecer, como um bando de Harveys incompetentes ("Harvey", ou "Harv", explicou Sinatra uma vez sobre a gíria que empregava "é o turista típico que vai a um restaurante francês e pergunta: 'O que tem pronto?'" Os Clydes eram igualmente ruins).
Em assuntos sentimentais, de moda, bebida, dinheiro, trabalho, diversão, a maior parte dos sujeitos, ele acreditava, estavam "usando sapatos marrons", ou seja, estavam perdidos, desorientados, desprovidos de classe. De fato, ele recuaria ante a visão de um sujeito usando marrom à noite. "Anoiteceu", explicava frequentemente. "Use preto ou cinza-escuro." Sinatra frequentemente tomava os sapatos marrons desses sujeitos desajustados e colocava bombinhas acesas dentro deles.
O cantor, que fez 82 anos sexta, jamais sofreu de indecisão em sua vida desmedida -quer em termos de roupas, quer para qualquer outra coisa. Ele sempre soube o que estava fazendo, não importa o que estivesse fazendo. Quando cantava (o que não faz em público desde 1995), o fazia com enorme confiança e sabedoria -uma sabedoria masculina quase inatingível- que o tornava um oráculo nos discos para os sujeitos atolados nas dificuldades e na lerdeza da vida.
Eu era um desses caras -um universitário bestalhão do Meio-Oeste no final dos anos 70 que se tornou um vagabundo trintão, na verdade, caminhando de sapatos marrons pelos gramados da vida. E, é verdade, as canções de Sinatra ajudaram um pouco, mas sempre tiveram fim. A força que me davam desaparecia assim que terminavam. Não era o bastante -como o próprio compreendeu.
Uma vez ele disse a Garson Kanin: "Acho que a minha verdadeira ambição é passar aos outros o que sei. Demorei muito, muito tempo para aprender o que sei agora e não quero que esse conhecimento morra comigo".
Quatro anos atrás, me ocorreu que ninguém jamais havia perguntado a ele, diretamente, sobre a grande sabedoria. Assim, porque não tinha nada a perder, procurei Sinatra, o sábio, em busca de suas regras sobre a ordem universal -orientações sobre o comportamento vindas diretamente do "chairman" que evitariam todas as mancadas.
Milagrosamente, ele ouviu meu chamado e trocamos comunicados; ele permitiu que seus amigos íntimos me fornecessem as observações deles sobre o "estilo Sinatra". O que surgiu da experiência foi um retrato de como o papel de Sinatra era desempenhado na vida cotidiana que se transformou em um artigo para revista, antes que um editor de mente aberta me permitisse, recentemente, expandir o conhecimento adquirido para a forma de um livro.
As lições de Sinatra cobrem dilemas tão circunstanciais quanto o que os homens jamais devem fazer na presença de mulheres ("bocejar"), o quanto um drinque deve ser forte ("vá com calma, qual é a vantagem de se nocautear?") e como saber se o chapéu que você usa cai bem ("quando ninguém rir").
Chapéus, é claro, eram a assinatura do estilo de Sinatra. Eles caíam melhor nele do que em qualquer outro mortal. "Ninguém jamais usou um chapéu como meu pai", disse Tina Sinatra.
Ele usava apenas Cavanaughs de abas dobráveis -de feltro fino e lona porosap- e essas eram as suas coroas, sempre inclinadas em um ângulo ousado, desafiadoras como ele. Nas capas de 20 álbuns da Capitol e 13 álbuns da Reprise, Sinatra usava Cavanaughs. Nos estúdios de gravação, ele mexia com as abas dos chapéus enquanto sua voz fazia história. (A dobra favorita: aba traseira inclinada para cima, aba frontal dobrada para baixo sobre o supercílio direito).
Durante as bebedeiras, costumava esmagar seus chapéus nas cabeças de seus amigos bêbados e fazer com que o coroado cantasse canções de Sinatra para ele. Ele sabia o que chapéus querem dizer. Como disse Euydie Gorme em um tributo ao 80º aniversário de Sinatra no rádio, "ele adorava tirá-los, entregá-los à pessoa do guarda objetos, apanhá-los de volta, colocá-los, incliná-los, empurrá-los para cima, empurrá-los para baixo".
Só quando seus cabelos ficaram completamente grisalhos os chapéus desapareceram de todo. Naquela altura, seu querido amigo John F. Kennedy já havia acabado com o uso de chapéus nos Estados Unidos. Sinatra persistiu, até que não houvesse mais razão. Agora, a família não consegue mais encontrar nenhum de seus queridos Cavanaughs. Mesmo o chapéu que ele mais gostava, o que usou em "Pal Joey", desapareceu. "Não tenho idéia de onde foi parar", ele me escreveu, com certa tristeza.
Sabia, e lamentava, que o mundo se tornara um lugar muito menos divertido. Enquanto o chapéu não exigia qualquer estratégia -"ele simplesmente o colocava", disse Nancy Sinatra- seu código de aparência era inflexível e completamente preciso. Jamais afrouxava uma gravata em público.
Isso era só o começo. Steve Lawrence foi pego de jeans e camiseta numa tarde casual na praia. "Obrigado por caprichar na roupa, compadre", disse Frank, irritado. Steve respondeu: "Que foi, a rainha da Inglaterra vem para a festa?" Frank: "Quem sabe? Ela pode!" (Sinatra jamais se dignou a ter um par de jeans na vida).
Sanny Davis Jr. era famoso por abusar da paciência de seu líder. No palco, Sinatra só usava "black tie", exceto aos domingos (devido a uma antiga tradição do showbiz). O jovem Davis frequentemente tentava se safar usando tecidos menos sofisticados.
"O que você está fazendo com essa roupa de cafetão?", perguntava Sinatra a Sammy regularmente, nos shows coletivos do "Rat Pack", no Sands de Las Vegas. "Você deveria estar usando um 'dinner jacket'! Agora vá para o camarim e coloque um smoking, Sam!" Davis sempre cedia, contra a vontade; o que mais ele podia fazer? Uma noite, ele desceu dos camarins usando um quimono. Não conseguiu chegar nem perto do palco.
"Para mim, um smoking é um modo de vida", Sinatra me disse, com simplicidade. Não importa que seus armários estivessem lotados com mais de 150 ternos "de rua" no início dos anos 60. (Os ternos "de cinema" criados por Sy Devors que ele usava seriam em breve substituídos pelo estilo mais conservador de Saville Row).
O smoking o tornava maior, mais poderoso. Não havia nada que não pudesse fazer ou dizer quando formalmente vestido. As dicas de Sinatra: "Quando um convite diz 'black tie' opcional, é sempre mais seguro usar 'black tie'. A bainha da calça deve ficar logo acima do sapato. Tente não sentar, porque isso amassa as calças. Se tiver de sentar, não cruze as pernas. Lustre os sapatos no lado de baixo das almofadas de um sofá".
Adorava as cores; de dia, usava camisas berrantes cor-de-rosa, azuis ou -sua cor favorita- laranja, o tom que sempre preferiu para os lenços visíveis no bolso superior de suas "dinner jackets". "Laranja", ele dizia, "é a cor mais feliz".
Sabendo disso, e sabendo que eu o encontraria pela primeira vez pouco antes do seu 80º aniversário, corri para comprar uma gravata Turnbull & Asser, laranja brilhante (um homem precisa causar boa impressão). Naquela noite, depois de apertar sua mão no Waldorf-Astoria, de Nova York, exibi minha gravata e pronunciei minhas primeiras patéticas palavras para Frank Sinatra: "Laranja demais?"

Tradução Paulo Migliacci.

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