São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Juiz afirma lamentar a própria decisão

DA ENVIADA ESPECIAL A SAPUCAIA

Horas depois de ter autorizado a realização do aborto em M., o juiz Luiz Olímpio Mangabeira Cardoso, 36, disse que lamentava ter dado a permissão, por considerar o caso "muito triste".
"Lamento, lastimo muito ter autorizado o aborto, nem dormi na noite de hoje, mas a família solicitou e tem direito, a lei é muito clara", afirmou Cardoso à Folha.
Carioca, casado, pai de duas crianças, o juiz Cardoso é espírita kardecista e disse que sua opção religiosa não recomenda o aborto. Afirmou, porém, que suas convicções não poderiam interferir na decisão judicial.
"Todo mundo é contra o aborto, até que ele bate à porta da gente", disse.
Cardoso afirmou ter conversado pelo telefone com o promotor da cidade, Emerson Garcia, e que ele deu um parecer favorável à realização do aborto em M.
O promotor, segundo o juiz Cardoso, também teria lamentado o caso, mas afirmou que não havia outra coisa a ser feita.
Telefonemas
Cardoso contou que algumas pessoas telefonaram para o fórum e tentaram interferir em sua decisão, pedindo que ele não desse a autorização para a família.
Ontem, uma mulher o procurou pessoalmente, dizendo ser de São José dos Campos (interior de São Paulo), e tentando convencê-lo a não autorizar a interrupção da gravidez.
O juiz disse que não conversou com ela sobre o assunto.
Cardoso, que já declarou ser essa a decisão mais importante de seus cinco anos como magistrado, disse recear que sua decisão não tenha o apoio dos moradores da cidade, muito religiosos, e que não quer que a população pense que ele determinou o aborto. "Só autorizei", repetiu.
Ele afirmou, porém, não temer continuar na cidade, onde atua há pouco mais de dois anos.
"Já sofri ameaças, julguei estupradores, ladrões de carga, não tenho medo. Acho que toda manifestação é válida, desde que democrática. O que não quero é que essa família seja crucificada por ter tomado tal decisão; é um assunto deles, a gente ajuda no que pode e deixa que eles resolvam", afirmou o juiz.

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