São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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EUA perdoam violações na África

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

A secretária de Estado Madeleine Albright encerrou ontem em Harare, Zimbábue, sua primeira viagem à África subsaariana no cargo. "Eu vim para ouvir e ouvi", disse.
Mais do que isso, Albright definiu, na prática, a estratégia do governo Clinton para o continente. Numa frase, pode-se dizer que ela consiste em engajamento econômico sem julgamento político.
Guardadas as proporções, os EUA querem fazer com a África o que vêm fazendo com a China: vistas grossas para os abusos contra os direitos humanos em troca de ações dos governos locais em direção a economias de mercado.
Os valores envolvidos com a África e a China são díspares. O comércio dos EUA com todo o continente é menos do que 1% das contas externas do país; a China é o segundo maior responsável (logo após o Japão) pelo déficit da balança comercial norte-americana.
Mas, apesar dessa diferença (fundamental), os EUA estão dispostos a lidar com esses dois parceiros de maneira muito similar.
Albright chegou a defender em entrevista ao lado de Robert Mugabe, presidente de Zimbábue desde que o país deixou de ser colônia britânica, em 1980, argumentos similares aos usados por Jiang Zemin em Washington na discussão pública com Bill Clinton sobre direitos humanos em outubro.
"Direitos humanos e o império da lei continuam sendo o ponto principal de nossa relação com outras nações. Mas temos de reconhecer que os países não são idênticos entre si, que há contextos locais e que temos de fazer tudo para tornar a democracia sustentável", afirmou Albright depois de Mugabe defender a repressão violenta com que respondeu a recentes manifestações por reforma agrária.
Mugabe, como os outros líderes dos países visitados por ela (Meles Zenawi, da Etiópia; Paul Kagame, de Ruanda; Laurent Kabila, do ex-Zaire; Yoweri Museveni, de Uganda; José Eduardo dos Santos, de Angola; e Nelson Mandela, da África do Sul), foi marxista.
Agora, os sete entraram no "consenso de Washington" e estão sendo apoiados pelos EUA e pelas instituições multilaterais, embora seis deles estejam à frente de governos com frequência atacados por desrespeitos aos direitos humanos (a exceção é Mandela).
Albright expressou várias vezes em sua viagem o arrependimento dos EUA por erros do passado. Por exemplo, ela disse que o governo Clinton e a "comunidade internacional" deveriam ter agido de maneira mais decidida contra genocídio em Ruanda em 1994 e se desculpou pelo apoio de décadas a Mobutu Seso Seko no então Zaire.

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