São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 1997
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D. Maria, 86, vive com os presos a quem chama de anjinhos

AUGUSTO GAZIR
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Maria Ribeiro da Silva Tavares, 86, levou há 50 anos um grupo de presos para viver no porão de sua casa, em Porto Alegre. Hoje, ela administra um patronato de regime semi-aberto tido como modelo no país e continua a morar com seus 70 "anjinhos", expressão que usa para designá-los.
D. Maria, como é conhecida, antes de fundar seu patronato, foi voluntária na Casa de Correção de Porto Alegre (RS). Depois de ajudar o filho de uma senhora que encontrou caída na rua, que hoje ela mesmo chama de "salafrário", tornou-se, aos 23 anos, a primeira mulher a trabalhar dentro de um presídio no Rio Grande do Sul.
Instituiu o serviço externo, com autorização do diretor, e passou a levar 36 presos para trabalhar em obras da prefeitura da cidade.
"O diretor ficou 15 dias sem ler jornal, com medo das consequências", diz. O número de presos logo aumentou para 250. "Eu dirigia um caminhão, um preso guiava o outro." No seu escritório, d. Maria tem uma foto da época -está rodeada de presos, sob uma árvore.
O Patronato Lima Drummond foi fundado por d. Maria em outubro de 1947. Homenageia um pioneiro na implantação desse tipo de instituição no país. Os patronatos servem para abrigar presos que já cumpriram a maior parte de sua pena e reintegrá-los à vida social.
Filha de uma família tradicional de Pelotas, no interior gaúcho, ela conta que, quando foi morar com os presos, seu pai exigiu que ela não usasse o sobrenome.
"No início, para conseguir dinheiro, os presos faziam festinhas entre eles na Casa de Correção. Juntamos 80 mil réis para abrir o patronato. Os primeiros funcionários eram os próprios presos."
Há dez anos, o patronato de d. Maria funciona em convênio com a Secretaria de Segurança do Estado. Uma diretoria comanda a burocracia da casa.
Não há grades, e as portas permanecem abertas durante o dia. Apesar do regime semi-aberto, boa parte dos presos não sai de casa -trabalha na manutenção do prédio, em oficinas de microempresários lá instaladas e frequentam cursos de alfabetização e primeiro grau.
"Aqui não tem superlotação. Todo mundo dorme na cama, não tem colchão no chão. Não tem jeitinho. Enquanto eu estiver viva, vai ser assim", diz d. Maria.
Pelos cálculos de d. Maria, já passaram pelo patronato mais de 8.500 presos. Ela só registra notícia de seis casos de reincidência. A Secretaria de Segurança não tem estatísticas oficiais sobre isso.
Em 96, durante o primeiro Fórum Penitenciário do Mercosul, d. Maria foi condecorada. Assistente social, tem dois filhos (um adotivo), oito netos e dez bisnetos. Anda a cavalo, sobe as escadas do patronato e só usa sapato com salto, para "manter o equilíbrio".

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