São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 1997
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TV digital chega ao Brasil em 98

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando a seleção entrar em campo contra a Escócia, na abertura da Copa do Mundo, em 10 de junho de 1998, o Brasil deverá estar fazendo a sua primeira transmissão de TV digital.
Você, telespectador, não vai assistir. A transmissão digital exige televisor digital, e os aparelhos no Brasil -e no mundo- ainda são analógicos. Os aparelhos digitais, em âmbito comercial, só chegam às lojas brasileiras em três, talvez cinco anos.
Mas é, ninguém questiona, o futuro da televisão aberta. A TV digital permite não só a transmissão chamada de "alta definição", com maior qualidade na imagem e no som, mas também a "multiprogramação", neologismo -ou eufemismo- da nova era que começa.
Pela mesma frequência, o canal 5 da Globo em São Paulo, por exemplo, poderá transmitir um jogo em alta definição ou então, em qualidade baixa como a de hoje, até seis "programações" -na verdade, seis canais.
Ou ainda, um canal de baixa qualidade e uma série de serviços a serem escolhidos e pagos pelos próprios telespectadores.
Mas ainda há diversos empecilhos, entre técnicos e políticos.
DVB ou ATSC
A exemplo do que aconteceu nos anos 70, quando foi preciso escolher entre o PAL europeu e o NTSC americano, também agora é preciso escolher entre o DVB europeu (de Digital Video Broadcasting) e o ATSC americano (de Advanced Television Systems Committee, mas também conhecido como Grand Alliance System, referência à "grande aliança" de redes de televisão e indústrias eletrônicas).
Uma terceira alternativa, que um integrante da comissão do Ministério das Comunicações que estuda a padronização afirmou não estar descartada, repete o que aconteceu no Brasil do regime militar.
Antes, entre PAL e NTSC, decidiu-se pelo PAL-M, exclusivo do país, no mundo inteiro. Agora, volta a sombra de um PAL-M para a TV digital brasileira.
Alternativa que Joaquim Mendonça, presidente da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), uma das entidades que participam dos debates sobre a padronização, não aceita.
"Nós não podemos errar novamente", diz. "O NTSC ficou ótimo e nós dançamos. Seria um risco muito grande."
Lobby mundial
Na corrida entre os dois padrões, estabelecidos nos últimos anos na Europa e nos EUA, o europeu saiu na frente, segundo diversos relatos. Ele dá maior facilidade para a retransmissão na mesma frequência, em diferentes cidades, o que seria importante num país com exagerado número de repetidoras, sobretudo nas cidades maiores.
"É uma grande vantagem", diz Ronald Barbosa, do grupo técnico que estuda a TV digital, formado pela Abert e pela SET (Sociedade de Engenharia de Televisão). O Grupo Técnico Abert/SET também participa das discussões, descritas como "abertas", no Ministério das Comunicações.
Mas o debate está longe de restringir-se à questão técnica.
Europa e EUA desenvolvem um confronto global em torno da padronização da TV digital, não só no Brasil (na verdade, no Mercosul, pois já começaram as negociações brasileiras com os parceiros na região) mas em países como a China e a Austrália, com delegações que correm o planeta buscando convencer e "ocupar" os mercados.
São grandes "lobbies" sustentados pelas diversas empresas que detêm patentes nos dois padrões.
O Ministério das Comunicações diz que a definição sai em 98.
Seis concessões
Restrito às comissões chamadas "técnicas", em reuniões pouco "abertas" desde 94, o debate sobre a TV digital evita a polêmica política que vem complicando a entrada dos próprios EUA na "nova era".
Na prática, a TV digital significa, confirmada a "multiprogramação", que o poder público faz, às atuais concessionárias, mais cinco concessões (ou mais três, conforme a compressão da imagem).
No exemplo do início, o canal 5 da Globo passa a transmitir, se assim a concessionária desejar e nada for exigido dela, seis programações diferentes. Não uma Globo, mas seis Globos.
Assim, por conta de uma concessão feita há mais de três décadas, a emissora recebe outras cinco. Nos EUA, quando se acordou para o fato, a TV digital tornou-se um escândalo nacional.
"Redes que ganharam, sem custo nenhum, o monopólio para transmissão na velha frequência analógica estão ganhando -de graça- seis canais no espectro digital que pertence ao público", escreveu William Safire, do jornal "The New York Times", em julho. "Nenhum outro lobby pode ostentar orgulhosamente tal dilaceração do dinheiro do contribuinte, no valor de bilhões."
O Congresso americano reagiu. Passou a exigir das redes, em troca da TV digital, que elas transmitam em alta definição -que toma toda a faixa e não permite a "multiprogramação".
ABC, CBS, NBC, Fox e outras redes recuaram, mas em parte. Falam em alta definição para o horário nobre e em "multiprogramação" para os demais. Mas nada fechado, nenhuma promessa.
Projetos-piloto
No Brasil, a Globo aposta, oficialmente, na alta definição, e menciona as transmissões de futebol, como na Copa do Mundo, e dos desfiles de Carnaval. Mas José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, na nova função de "consultor", prioriza os vários canais que a "multiprogramação" permite.
Outras redes, como SBT e Bandeirantes, também parte das comissões técnicas, seguem na expectativa, mas fazendo já os primeiros investimentos em equipamentos, em áreas como o telejornalismo.
A Globo, sempre à frente, já grava seriados e telenovelas com equipamento digital. Mais importante, abriu semana passada a sua primeira afiliada inteiramente digital, a TV Fronteira Paulista, de Presidente Prudente (SP), e ontem abriria a segunda, a TV Alto Litoral, de Cabo Frio (RJ).
A próxima é a TV Grande Minas, em Montes Claros (MG). São os projetos-piloto da TV digital no Brasil.
"Hoje eu já estaria preparado para transmitir mais três canais digitais", diz Roberto Kotsuko, diretor-executivo da TV Fronteira Paulista, que produz em equipamento digital, mas segue transmitindo, algo frustrado, o sinal analógico.

LEIA MAIS sobre TV digital à pág. 4-3

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