São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 1997
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"O Chacal" é fruto de uma mente sem ambição

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Qual o futuro para os filmes de ação e seus heróis? "O Chacal", de Michael Caton-Jones, parece mostrar que, mesmo existindo um, estará sempre oscilando entre dois pólos: a paródia e o cinismo.
Uma refilmagem da obra de Fred Zinnemann realizada em 1973 (no caso, "O Dia do Chacal"), o trabalho de Caton-Jones rouba deste apenas uma situação: o terrorista internacional que tem por missão aniquilar um político e a tensão gerada por essa situação.
O mundo, o cinema e o tempo de Zinnemann eram outros, da mesma maneira que para o escritor Frederick Forsyth, autor do romance adaptado.
Na história original, o caçador era ainda o Chacal, e a caça era Charles de Gaulle, então governante da França.
Mas a Europa, assim entende Caton-Jones, não é mais cenário para um grande alvo, e sim para entulhos de projetos fracassados, de utopias perdidas que se transformaram em caos. E não há país melhor para simbolizar a situação hoje, dita Hollywood -tão carente de inimigos respeitáveis-, do que a Rússia.
No início, já nos créditos, somos informados de que, após o fim do comunismo, a antiga União Soviética é agora dominada pela máfia, que aprendeu rapidamente uma ou duas coisas sobre o capitalismo. Eliminou seu principal concorrente, o Estado, e agora domina toda a nação -um verdadeiro território sem lei.
Como as coisas só tendem a piorar, é claro que os russos necessitam da ajuda do FBI para dar conta dos problemas caseiros.
Em uma dessas operações conjuntas, o irmão do "líder mafioso" é morto e, para se vingar dos Estados Unidos, contrata o Chacal (por US$ 70 milhões, já que ele é um assassino que acredita na lei da oferta e da procura) para um ato "público e barulhento de horror". A identidade da vítima é um dos trunfos do roteiro primário.
E há também, por necessidade lógica de um cinema montado em esquemas, o personagem em que a platéia deve depositar confiança. Curiosamente, essa figura -interpretada por Richard Gere, se opondo ao Chacal, o ator Bruce Willis- é também um terrorista.
Gere é um "soldado" do IRA que pode reconhecer o matador e seus métodos. No balanço feito por Caton-Jones, ele é heróico porque "nunca usou bombas para aniquilar mulheres e crianças" e só matou ingleses em nome "da guerra pela liberdade". Uma inacreditável confusão ética.
Há, então, Willis e Gere em disputa. Não existe, portanto, situação geopolítica que consiga resistir a essa competição.
"O Chacal" é de tudo um pouco. Por vezes, imaginamos estar diante de uma verdadeira zombaria aos filmes de 007 e seus semelhantes que floresceram no período da Guerra Fria. Outros instantes indicam um western ou uma espécie de "Duro de Matar 4".
Mas Michael Caton-Jones parece não se sentir seguro com essa opção. Quando já estamos confortáveis com o que ele é capaz de oferecer, o registro é repentinamente alterado. Há sangue e violência demais para que o leve humor resista. Seu filme é o que nesses dias se entende por diversão: explosões, sadismo e crueldade disfarçadas em aventura.
"O Chacal", por fim, é apenas mais um produto de uma imaginação sem ambições. Uma obra voltada para um público já anestesiado pelos excessos e incapaz de exigir mais. Tanto do cinema quanto da política.

Filme: O Chacal
Produção: EUA, 1997
Direção: Michael Caton-Jones
Com: Bruce Willis, Richard Gere, Sidney Poitier
Quando: a partir de hoje, nos cines Aricanduva 1, Belas Artes-Villa Lobos e circuito

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