São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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O risco dos bancos externos

CELSO PINTO

Se os bancos estrangeiros controlarem os maiores bancos brasileiros, aumentará o risco de um ataque especulativo contra o real, o poder e o crédito do Banco Central ficarão enfraquecidos, será mais difícil controlar o fluxo de capitais e a alocação da poupança nacional.
É com esta lista extensa e polêmica de argumentos que Roberto Setúbal, presidente do Itaú e da Febraban (Federação dos bancos), tem tentado frear o avanço dos bancos estrangeiros no Brasil. Uma discussão que voltou a esquentar.
Por enquanto, o avanço dos estrangeiros entre os grandes bancos de varejo se limitou ao britânico HSBC e ao espanhol Santander. As conversas, contudo, não pararam. O Bandeirantes já sentou na mesa com o espanhol Bilbao Viscaya e, mais recentemente, com o canadense Nova Scotia. O Citibank já se declarou comprador, se o preço for bom. Pelo menos dois grandes bancos de varejo têm frequentado os rumores de mercado, como supostos candidatos a venda ou associações.
Acima de tudo, o Banespa deve ir à venda nos próximos seis meses e há uma fila de estrangeiros interessados. Ele pode ser uma porta de entrada crucial para colocar, de imediato, um banco externo entre os quatro maiores privados do país.
Vários banqueiros estão preocupados, mas poucos, como Setúbal, têm dito o que pensam em público. Não há unanimidade. Setúbal admite que, na Febraban, existem os que concordam com ele, os que são ainda mais radicais do que ele, e os que discordam.
Dois exemplos: o Real tem sido visto como um ferrenho defensor de limites, enquanto o Excel-Econômico tem apoiado a entrada livre dos estrangeiros. Setúbal não é contra a concorrência externa, mas contrário à predominância externa entre os grandes bancos.
O coração do debate é político, mas não só. Setúbal diz que a decisão sobre a entrada de bancos estrangeiros deveria ser discutida amplamente, de preferência na elaboração de uma lei complementar, e não ficar sujeita ao poder discricionário de uma ou poucas pessoas. "É um poder absoluto que não condiz com a democracia", observa.
Aí vão seis argumentos básicos de Setúbal contra a predominância externa entre os grandes bancos de varejo:
1) O real ficaria mais vulnerável. Bancos brasileiros dependem do BC e é "impossível peitar a autoridade de seu país de origem". Além disso, os nacionais teriam mais a perder do que a ganhar com uma desvalorização. Um banco externo, ao contrário, poderia lucrar ao apostar contra a moeda, usando seu "funding" em reais e comprando dólares do BC. Ele acha que seria facílimo para grandes bancos apostarem bilhões de dólares na desvalorização.
2) O BC poderia perder crédito. Um banco brasileiro dá crédito ilimitado para o BC. Para um estrangeiro, "o BC é um risco de crédito como qualquer outro". Isso poderia levar à imposição de um limite de crédito ao BC, por uma decisão externa, exatamente quando esse crédito fosse importante.
3) O poder do BC sobre os bancos nacionais é muito maior, porque o "funding" deles é local. O nível de ascendência sobre bancos internacionais seria muito menor.
4) Controles sobre capitais externos seriam menos eficazes. Bancos brasileiros também têm uma base externa, "offshore", mas com capacidade limitada de levantar recursos. Bancos externos poderiam mobilizar uma enorme "massa de negócios fora do controle do BC", tornando ineficazes mecanismos de controle.
5) A decisão sobre onde e para quem alocar a poupança nacional seria decidida no exterior. Setúbal admite que o centro de seu argumento não é técnico (por exemplo, pelo lado da eficiência), mas político.
6) Nenhum país desenvolvido, na prática, permite que seus maiores bancos sejam comprados por estrangeiros.
Vários destes argumentos são tecnicamente discutíveis, mas não há espaço aqui para destrinchá-los. Como observação genérica, vale lembrar que a lógica do capital é a mesma e, como mostraram alguns episódios recentes, os bancos tendem a agir de forma parecida, sejam nacionais ou não.
Setúbal argumenta que só seria indiferente saber a origem do capital dos grandes bancos se o Brasil operasse com absoluta liberdade de fluxos de capitais e conversibilidade da moeda. A polêmica mal começou.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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