São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 1997
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Juiz leva segredo, filho e macetes à final

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

O título do filme que o árbitro Sidrack Marinho dos Santos, 44, assistiu na noite de sábado -"Perigo Real e Imediato"- não era propriamente um tranquilizante para se preparar para a sua primeira final de Campeonato Brasileiro, em 23 anos de carreira.
Mas ele dormiu antes da meia-noite, acordou só às 9h de ontem e, de tão profundo o sono, não se lembrou dos sonhos.
Quando apitou o fim da partida, nenhum jogador correu sobre ele, nem do batido Palmeiras.
Sidrack Marinho "sobreviveu" à sua primeira decisão nacional e marcou a "sobrevivência" da geração de árbitros promovida pelo ex-chefe da arbitragem brasileira Ivens Mendes.
No ano marcado pela "virada de mesa" no regulamento do campeonato, justificada, no discurso de seus autores, pelo suposto esquema de manipulação de resultados, o juiz da final não recebeu nenhum coro de palavrões.
No primeiro tempo, ele não teve nenhum pesadelo do tipo Márcio Rezende de Freitas, o árbitro mineiro que, com dois erros decisivos, selou a derrota do Santos na final contra o Botafogo, em 1995.
Foi vaiado ao entrar em campo e após uma marcação. Com estilo "light", foi mais incisivo com Edmundo e Cléber, ameaçando-os.
Num lance polêmico, não assinalou pênalti para o Vasco e ouviu a maior vaia.
Sidrack Marinho, o árbitro mais "soft" do futebol brasileiro, endureceu ao trocar uma peitada com um Zinho revoltado por causa de uma dividida de Edmundo com o goleiro Velloso.
Moeda
Primeiro, discutiram os sinais -nada espalhafatoso, como levantar a bandeira- dos assistentes para avisar que os 45 minutos se esgotaram.
Acertaram o tipo de corrida dos bandeirinhas para, sem ser consultados diretamente, mostrar a Sidrack Marinho se uma falta foi fora ou dentro da área.
A vida de juiz tem alguns macetes que permanecem desconhecidos para os torcedores e a esmagadora maioria dos analistas.
A moeda para o cara ou coroa entre os capitães, por exemplo, não tem cara nem coroa.
"É a moeda da Fifa (entidade dirigente do futebol), com um lado amarelo e outro branco", diz o árbitro da Federação Sergipana.
Cavalheirescamente, ele deu a Zinho a chance de escolher o campo. O palmeirense ganhou, sendo obrigado a optar pelo lado do campo, ficando a saída de bola do primeiro tempo com Edmundo.
Sidrack Marinho não atrasou o jogo quase 5 minutos por causa da agitação próxima aos bancos de reservas, mas devido ao grande inimigo dos árbitros: a imagem da televisão que comprova erros.
Ele esperou que os telões que mostraram o jogo do Brasil contra a Austrália fossem desligados.
Então, fez mais uma vez o sinal da cruz, apitando o início da final. O árbitro rezou de manhã, no hotel, com os bandeirinhas.
No vestiário, rezou uma Ave Maria, um Pai Nosso e pediu que "o anjo da guarda dos jogadores os protegessem".
Para garantir a própria proteção, combinou todo o esquema com policiais militares. Até uma eventual retirada em situação de perigo, caçado pela torcida, foi planejada duas horas antes.
Em 1995, ele teve de enfrentar um torcedor do Internacional que invadiu o gramado do Beira-Rio. Com um leve movimento, escapou, por pouco.
Comerciante, dono da L&L Mercearia, no bairro industrial de Aracaju (SE), Sidrack Marinho transformou a profissão de árbitro, que não é reconhecida, num negócio mais lucrativo que a sua firma.
Só ontem ele embolsou R$ 15.100,00, incluindo o 1% da renda a que teve direito.
Animado com a carreira do pai, seu filho Leonardo, 15, já apita jogos de juvenis em Sergipe.
Leonardo veio de Aracaju, de carro, com amigos do pai. "Eu queria que ele visse no Maracanã como é a pressão."
Quando voltar para casa, Sidrack Marinho vai assistir à partida -como todas, gravada pela filha Mayline, 18, a mais velha de três (o outro é Lênison, 14). O filho assistou à partida da entrada do túnel.
"Sou perfeccionista, me irrito muito quando vejo meus erros", disse o árbitro da final.

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