São Paulo, terça-feira, 23 de dezembro de 1997 |
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RACIONAIS MC's
MARCELO REZENDE
Para os jovens de um outro "jardins" (Jardim Mírian, Jardim Ângela e Capão Redondo, zona sul), onde chegam a acontecer 19 assassinatos por fim-de-semana, Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay avisavam, desde o final dos anos 80, que haveria uma revanche dos excluídos. Tomando os códigos do rap, a música negra norte-americana em que há apropriação de melodias alheias e discurso no lugar de canto, os Racionais, sem muito polimento, expõem a violência policial, a vida nas prisões e o tráfico. Para eles, não se trata de crônica, mas de aviso, alerta ou alarme. É o cotidiano de seu público, dos rapazes e garotas vestindo camisetas com a inscrição "100% Negro" e que pareciam, no mercado nacional de música, não estar legitimamente representados. Com o CD "Sobrevivendo no Inferno" -o mais novo trabalho, e que marca o lançamento de um selo fundado pelo grupo-, o tom messiânico continua. Segundo a distribuidora Zâmbia, a mensagem foi ouvida por quase 200 mil consumidores, que pagam cerca de R$ 16 por cópia do CD ou R$ 10 para vê-los sobre um palco. "Para entender o que está acontecendo com aquelas pessoas marginalizadas, é necessário ouvir os Racionais", diz o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), em meio a rappers e fãs do grupo presentes no ginásio do Corinthians, no último sábado, para a festa de lançamento de "Sobrevivendo". Nos últimos anos, os Racionais participaram ativamente, com shows em comícios, de campanhas do Partido dos Trabalhadores. A música do grupo, de certa forma, acredita Suplicy, serve ao social: "Na época em que o índio pataxó foi queimado, li a canção 'O Homem na Estrada' na tribuna do Congresso. Era uma maneira de denunciar a violência contra os mais pobres". A apresentação no Corinthians foi a primeira em que o grupo contou com uma produção profissional. Antes de "Sobrevivendo no Inferno", cobravam cachês de R$ 3.500 e R$ 4.000 e falavam sobre morte e miséria em pequenos lugares. A estratégia de marketing se resumia a negar entrevistas para a TV, especialmente para a maior do país, e só falar com jornalistas em que "pudessem confiar". A atitude em relação à divulgação continua -ainda que com maior abertura para negociações- a mesma. Mas nesse novo momento dos Racionais há uma melhor estrutura. Netinho, um dos líderes do Negritude Júnior (grupo de pagode paulista com 4 milhões de discos vendidos) fornece a produção. Ele e Mano Brown se conheceram quando moravam em conjuntos habitacionais, Cohabs, próximos. "Eles vão estourar? Acho que já estouraram. Quem vende 200 mil sem mídia e em uma gravadora independente?" Essa é a pergunta que contém, naturalmente, uma resposta, do produtor Renato Murad, que acompanha os Racionais. Mas toda legitimidade pressupõe fidelidade às próprias crenças. O profissionalismo atual não impediu que cada integrante do grupo colasse pessoalmente os cartazes para o show em que receberiam o disco de ouro. "No lugar onde vivem eles são adorados. As pessoas saem de suas casas para vê-los nas ruas, pedem autógrafos. Parecem amigos de todos", conta o fotógrafo Klaus Mitteldorf, que durante quatro meses percorreu várias regiões da cidade para realizar as fotos que compõem o encarte do CD "Sobrevivendo no Inferno". "Nos lugares mais distantes de São Paulo", continua Mitteldorf, "não se conhece ou mesmo se reconhece um governo. O que se tem são os ídolos, e os Racionais são um deles". No dia 23 do próximo mês, a produção leva o show para o Rio. Janeiro será ainda o mês em que o clipe do grupo chega à MTV -que gravou a apresentação de sábado para uma futura exibição (uma difícil negociação entre Brown e a direção da emissora). Em 98 acontece também a estréia nos cinemas de "Drama Urbano". Com a participação do Negritude e dos Racionais, o filme mostrará uma "realidade de drogas e crime". As chances parecem ótimas. Pode, realmente, bombar. LEIA MAIS sobre os Racionais MC's à pág. 4-10 Próximo Texto: Coluna Joyce Pascowitch Índice |
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