São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Objetos diretos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Quando Rubem Braga não tinha assunto, ele abria a janela e encontrava um. Quando não encontrava dava no mesmo, ele abria a janela, olhava o mundo e comunicava que não havia assunto. Fazia isso com tanto engenho e arte que também dava no mesmo: a crônica estava feita.
Não tenho nem o engenho nem a arte do Rubem, mas tenho a varanda aberta sobre a Lagoa -posso não ver melhor, mas vejo mais. Otto Maria Carpeaux não gostava do gênero "crônica", nem adiantava argumentar contra, dizer, por exemplo, que os cronistas, uns pelos outros, escreviam bem. Carpeaux lembrava então que escrever é verbo transitivo, pede objeto direto: escrever o quê? Maldade do Carpeaux.
Com essas festas meio sacais do fim de ano, com o calor que bateu forte, tritura nossas carnes e mói os nossos ossos, com a cara do presidente da República na TV, pasteurizada pela propaganda oficial, desejando-me um feliz Ano Novo (afinal, embora de má vontade, faço parte daquele "todos os brasileiros" a que ele se referiu), fica mesmo difícil encontrar um assunto e um objeto direto para o verbo transitivo.
Eça de Queiroz quando não tinha assunto desancava o Bei de Túnis -um personagem que ele inventou e que fazia misérias dignas de serem desancadas. Se o Bei era inventado, as misérias que ele fazia eram reais, todos os beis do mundo fazem mais ou menos as mesmas coisas.
Nelson Rodrigues não tinha problemas. Quando não havia assunto ele o inventava. Uma tarde, estacionei ilegalmente o Simca-Chambord na calçada do jornal. Ele estava com o papel na máquina e provisoriamente sem assunto. Inventou que eu descia de um reluzente Rolls Royce com uma loura suspeita, mas equivalente à suntuosidade do carro. Um guarda nos deteve, eu tentei subornar a autoridade com dinheiro, o guarda não aceitou o dinheiro, preferiu a loura. Eu fiquei sem a multa e sem a mulher, Nelson não ficou sem assunto.

Texto Anterior: Greves em baixa
Próximo Texto: Ano da esperança
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.