São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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Os novos críticos do FMI

CELSO PINTO

Poucas vezes, em sua história, o FMI esteve sujeito a tanta controvérsia quanto depois de suas intervenções recentes na Ásia. Mudou a crítica e mudaram os críticos.
Desta vez, as críticas têm vindo não da esquerda, mas de economistas e órgãos de imprensa com impecáveis credenciais liberais. Pelo menos quatro tipos de críticas surgiram desde que o Fundo se envolveu no pacote de resgate da Coréia.
A primeira é sobre o conteúdo do ajuste. O economista Jeffrey Sachs, de Harvard, num extenso artigo publicado no jornal Financial Times, argumentou que o FMI errou no diagnóstico e, ainda mais, na terapia.
Vários outros economistas bateram na mesma tecla. O problema com a Coréia e outros tigres não é de fundamentos. São países com impecável comportamento fiscal, altas taxas históricas de crescimento e de poupança interna. Pelo menos no caso da Coréia, o déficit em conta corrente é baixo: 2,5% neste ano e uma média de 1% do PIB nas últimas duas décadas.
O problema destes países é a fragilidade de seu sistema financeiro e de alguns conglomerados. Anos de câmbio sobrevalorizado e juros muito baixos levaram a um excesso de endividamento, concentrado no curto prazo, e a uma bolha especulativa no preço dos ativos.
Receitar aperto monetário e fiscal numa situação deste tipo, como fez o FMI, seria suicídio, segundo os críticos. Os juros altos agravarão ainda mais o problema de inadimplência do sistema financeiro. O aperto fiscal, por sua vez, impedirá o governo coreano de recuperar a credibilidade do sistema injetando recursos para reestruturar seu sistema financeiro (sem salvar os donos dos bancos).
A consequência das políticas do Fundo, portanto, seriam agravar a crise bancária e minar ainda mais a confiança. Por usar a mesma receita para qualquer país (ajuste fiscal e monetário), o FMI estaria condenando a Ásia a ampliar sua crise.
O vice-diretor-gerente do FMI, Stanley Fischer, procurou rebater esta crítica num artigo publicado no Financial Times. Seu argumento é que o Fundo pediu à Coréia, em termos de ajuste fiscal, exatamente o custo da reestruturação do setor financeiro. Fazer a reestruturação via aumento do déficit público não seria viável num momento de fuga de capitais e falta de confiança externa.
Quanto ao aumento dos juros, Fischer argumenta que é a única forma de tentar reter capitais no país, ainda que isso complique a situação dos bancos. Alguns críticos sugerem que uma desvalorização mais agressiva poderia evitar juros mais altos. Fischer responde que a desvalorização já é agressiva e que ela tem um custo em termos da saúde das empresas endividadas.
O segundo tipo de crítica recorrente ao FMI é de que ele atuou, mais do que nunca, como um braço avançado da política externa americana na Ásia, ao condicionar qualquer ajuda à abertura do sistema financeiro. Como argumenta até mesmo a conservadora revista The Economist, é difícil encontrar uma boa razão técnica para a insistência do Fundo em só assinar o acordo com a Coréia depois do compromisso de abertura dos bancos.
O terceiro tipo de crítica, que também surgiu no caso do México, é sobre a natureza do resgate. Na Ásia em geral, e na Coréia em particular, o endividamento externo não foi do governo, mas das empresas. Por que caberia agora aos governos, via FMI, salvar os bancos internacionais de prejuízos que deveriam ser um risco inerente ao seu negócio?
Ao contrário da crise da dívida dos anos 80, desta vez, mesmo no pior cenário, não existe o risco de a Ásia provocar quebras em cadeia de bancos em países desenvolvidos, que pudessem colocar em risco a saúde da economia mundial. Salvar os prejuízos dos bancos, portanto, poderia servir apenas como estímulo para mais irresponsabilidade no futuro.
O quarto tipo de crítica é bem conhecido. Teria faltado ao FMI, como sempre, transparência na negociação dos acordos.
Como desta vez as críticas têm vindo de países acima do Equador, podem deixar sequelas, especialmente pelo fato de o FMI estar em campanha para ampliar seu capital e, portanto, seu papel em crises como a da Ásia.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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