São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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Moratória branca pode salvar a Coréia do Sul

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A operação de resgate financeiro da Coréia do Sul, anunciada na última quinta-feira, foi o melhor presente de Natal que o novo presidente do país, Kim Dae Jung, poderia ter dado aos seus eleitores. Dias antes, declarando publicamente que o país estava praticamente quebrado, Jung tornou-se um dos presidentes modernos que mais próximo chegou à declaração aberta de uma moratória (suspensão de pagamentos externos). Truco ou não, poucos dias depois as principais lideranças ocidentais, inclusive os EUA, que até então eram reticentes, formalizaram um novo pacote de resgate financeiro.
Para se ter idéia do grau de deterioração do caso coreano, há apenas duas semanas ninguém menos que Robert Rubin, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, recusava liminarmente o pedido de ajuda mais rápida feito pelas autoridades coreanas. Os EUA vão entrar agora com US$ 1,7 bilhão no pacote de reforço ao FMI.
A grande novidade do pacote de Natal não está nos US$ 10 bilhões oferecidos, mas no pedido informal feito pelos principais Estados ocidentais, dirigido aos bancos comerciais, pedindo que sejam flexíveis e alonguem os prazos de vencimento das dívidas de curto prazo que a Coréia não tem como pagar. Ou seja, na prática os principais governos ocidentais estão formulando, no lugar da própria Coréia do Sul, uma espécie de moratória branca. E oferecendo mais US$ 10 bilhões em garantia (além dos US$ 56 bilhões que já tinham sido coletados sob a liderança do FMI).
Note-se o fracasso do Fundo Monetário Internacional em sua função de emprestador de última instância. Afinal, três semanas se passaram depois que o FMI organizou sua operação global de resgate. Operação difícil, que exigiu um combate preliminar aos governos asiáticos que pretendiam instituir um fundo regional, com regras próprias. Ainda assim, anunciados os US$ 57 bilhões, a crise apenas aprofundou-se. No final, a operação supranacional do Fundo levou à ação intergovernamental.
Dúvidas
Ainda há várias questões sem resposta. O Japão, que é um dos governos tentando evitar o colapso total da Coréia do Sul, acaba de anunciar um relaxamento das regras de supervisão de seus próprios bancos. Para evitar que a crise de crédito na economia japonesa torne-se ainda mais aguda, considerou-se um risco assumir maior liberalidade no tratamento dos ativos dos bancos japoneses.
Para os observadores mais conservadores do sistema financeiro, isso é o mesmo que varrer a sujeira para baixo do tapete. A questão seguinte é: com que moral (e em última análise com que recursos) podem os japoneses socorrer outros países se o seu próprio sistema financeiro está sob suspeita?
Finalmente, há uma pergunta que interessa diretamente ao Brasil. Se para salvar a Coréia está sendo tão difícil, haverá recursos e, principalmenmte, vontade política dos governos ocidentais para salvarem outras economias fragilizadas pela crise financeira global?
A julgar pela roda-viva dos contágios que se iniciou em julho com o ataque ao baht da Tailândia, outros colapsos, não apenas na Ásia, podem estar amoitados. Na Indonésia, por exemplo, soube-se na semana passada que as dívidas a descoberto chegam a US$ 200 bilhões, quando se contabilizavam "apenas" US$ 100 bilhões.
É verdade que, garantido o novo pacote, o presidente sul-coreano voltou a garantir que vai seguir as recomendações do FMI.
Mas enganam-se os que acreditam que tudo agora se reduz às avaliações de cumprimento de cartas de intenção assinadas por autoridades coreanas. Embora as avaliações econômico-financeiras sejam as mais frequentes, na semana passada o "New York Times" citava autoridades norte-americanas segundo as quais a real garantia de bom comportamento dos coreanos é o "profundo relacionamento" entre os EUA e o país. Concretamente, trata-se de uma alusão aos 35 mil soldados norte-americanos acantonados em território sul-coreano.
A julgar pelas tensões com a China e a Coréia do Norte, ajudar a Coréia do Sul é uma questão geopolítica, assim como salvar o México também era uma questão que ia muito além da atenção estrita às cartilhas do FMI.

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