São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 1997
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'Basquete Blues' troca jogo por homem

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O basquete está para os garotos pobres norte-americanos mais ou menos como o futebol está para os brasileiros: é ao mesmo tempo uma paixão, um signo de identidade cultural e uma perspectiva de ascensão social.
Nos últimos tempos, tornou-se também, de modo mais imediato e dramático, uma eficiente rota de fuga do mundo das drogas e da delinquência.
A diferença entre a situação brasileira e a norte-americana, como mostra o notável documentário "Basquete Blues", é que lá existe uma complexa estrutura escolar-profissional-empresarial para o aproveitamento (e também a exploração) desses jovens talentos.
O documentário acompanha a trajetória de dois garotos negros de Chicago, Arthur Agee e William Gates, ao longo de quase cinco anos.
Ambos são craques do basquete, ambos são pobres, ambos querem fugir da situação de pobreza em que vivem suas famílias.
Mas seus destinos, como mostra o filme, acabam sendo bem diferentes.
Não convém antecipar aqui o que acontece com cada um deles, sob pena de estragar o suspense do filme. Sim, porque, apesar de documentário, "Basquete Blues" é construído como uma narrativa eletrizante, que alterna momentos de tensão e euforia, de drama e humor.
O que há de mais interessante nesse longa-metragem que consumiu sete anos de produção é justamente o equilíbrio entre o documento social -o sistema de bolsas para alunos bons de bola; a barra pesada das escolas públicas; a hipocrisia das escolas particulares- e o drama pessoal e intransferível dos protagonistas.
Neste último aspecto, "Basquete Blues", documentário não-musical com maior arrecadação em bilheteria na história do cinema nos Estados Unidos com US$ 9 milhões, é muito mais poderoso e tocante que a maioria dos melodramas que Hollywood produz às pencas.
Vemos, por exemplo, os ciclos de desmoronamento e reconstrução que marcam a família de Arthur Agee, cujo pai é uma figura trágica e paradigmática: viciado em crack, ingressa no mundo do crime, espanca a mulher, abandona a família, vai preso, converte-se a uma seita evangélica, volta para casa e começa tudo de novo.
William Gates, por sua vez, tem sobre os ombros o peso da frustração do irmão mais velho, que nos tempos de colégio era tão bom no basquete que chegou a ser comparado a Michael Jordan, e que hoje, gordo e amargurado, pula de subemprego em subemprego.
O cineasta Spike Lee e o craque do basquete Isiah Thomas aparecem falando aos jovens, tentando enfiar um pouco de consciência em suas cabeças cheias de ilusões.
Nada é mais comovente, entretanto, que observar a própria transformação operada no corpo e no rosto dos dois garotos.
Franzinos e risonhos nas primeiras tomadas, eles vão aos poucos se transformando em atletas e em homens. Ao mesmo tempo que ganham músculos e um esboço de bigode, seu ar vai se tornando grave, quando não melancólico.
É um documentário sobre basquete, sem dúvida, mas é antes de tudo um filme sobre gente -e é nesse segredo simples que reside a grandeza de "Basquete Blues".

Filme: Basquete Blues (Hoop Dreams)
Produção: EUA, 1996, 130 min
Direção: Steve James
Lançamento: Europa/Carat (011/7295-7020)

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