São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 1997
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Tempo de balanços

LUIZ PINGUELLI ROSA

O balanço de 1997 passa por questões mal resolvidas nas áreas de energia, meio ambiente, ciência e tecnologia e na universidade. Entre elas estão o processo de venda da Vale do Rio Doce, a privatização das empresas elétricas e a regulamentação dos setores de energia elétrica e de petróleo.
Segundo noticiou a imprensa, os novos controladores da Vale reconheceram que as reservas e recursos minerais da empresa são muito maiores do que o que se contabilizou na privatização.
Esse fato foi previamente denunciado pela comissão externa da Câmara dos Deputados. Ela foi assessorada por um grupo de trabalho formado por especialistas, coordenado pela Coppe, que fez estudo técnico com base nos documentos do "data room" do BNDES.
O relatório da Vale para a Bolsa de Nova York foi modificado pela subavaliação feita pela MRDI para a Merrill Lynch, contratada como consultora para a privatização. Foram subtraídos 14 bilhões de toneladas de minério de ferro, além de vários outros minérios.
Foi mostrado que algo semelhante acontecera na privatização da YPF, na Argentina, na qual a mesma consultoria atuou. Lá, as reservas de petróleo foram reduzidas em cerca de 35% às vésperas da venda da YPF, voltando depois ao valor anterior. Isso reduziu o valor-base da privatização.
O governo ignorou essa denúncia da comissão externa, embora tenha reconhecido, implicitamente, a da vulnerabilidade da ligação da Merrill Lynch com a "sponsoring broker" sul-africana da Anglo American, forte candidata à compra. Segundo uma análise lógica, isso contribuiu para o governo atuar defensivamente, viabilizando a formação do consórcio liderado pela CSN com a adesão de alguns importantes fundos de empresas estatais.
A mesma abordagem empírica, com base em dados da realidade, pode ser aplicada às privatizações das empresas elétricas. Estas cometem o pecado original da cumplicidade de governos com grupos econômicos e empreiteiros, o que encareceu obras -como no exemplo de Porto Primavera, em São Paulo, criticado pelo presidente do BNDES.
Além disso, na média, o custo da geração elétrica é pequeno. Há muitas hidrelétricas amortizadas, gerando energia quase a custo zero. E o remédio pode matar o doente: os grupos econômicos agora controlam as empresas privatizadas -que prestam o serviço público de energia, essencial à população e à economia-, sem haver ainda um sistema institucional regulador.
A tarifa média para o consumidor já subiu de US$ 65/mWh para US$ 87/mWh, enquanto a tarifa média de suprimento das geradoras -ainda federais- para as distribuidoras, várias delas já privatizadas, foi mantida baixa, sendo hoje de US$ 36/mWh.
Essa diferença entre o preço pago pelo consumidor e o pago pela distribuidora à geradora permite lucros enormes, ampliados com o corte de pessoal após as privatizações. E o serviço piorou em muitos casos, como se pode ver pelos índices de interrupção.
Para implantar as agências reguladoras de energia, foram feitos convênios com grupos de boas universidades, mas prevaleceram critérios de afinidade política e ideológica, comprometendo a regulamentação independente.
No que concerne aos impactos ambientais da energia, a segurança da central nuclear de Angra mereceu atenção, ao deixar Furnas para fundir-se com a ex-Nuclen. Alertamos para os problemas do reator Angra 1 -que, pouco depois, ficou parado vários meses por vazamento do combustível nuclear.
Internacionalmente, destacou-se o debate sobre a poluição atmosférica global, causada pela emissão de gases do efeito estufa durante a combustão de carvão, petróleo e gás natural. A poluição foi tema da conferência sobre mudanças climáticas em Kyoto, no fim do ano. Nela, Brasil, China e Índia confrontaram a posição dos EUA.
O Brasil tem a vantagem comparativa de usar energias renováveis, como o álcool e a hidreletricidade -ambos perdendo espaço com a desregulamentação. O investimento em termelétricas a gás natural é menor, e a gasolina é mais barata para os automóveis.
O relatório da Coopers & Lybrand para a privatização das geradoras mostra as limitações do livre mercado para expandir a hidreletricidade. Assim, o Brasil trocará energia renovável por fóssil, que, no futuro, poderá ser taxada pela Convenção do Clima.
A pesquisa científica e a pós-graduação sofreram corte de verbas federais, apesar do Programa de Núcleos de Excelência dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação. Verbas e bolsas de estudantes foram cortadas pelo pacote do governo no final do ano. O objetivo é cobrir um déficit que já atinge R$ 270 bilhões.
Todas as empresas elétricas privatizadas renderam R$ 13 bilhões -apenas 5% desse déficit, causado pelos altos juros pagos para atrair dólares. Estes, por sua vez, são necessários para cobrir o déficit nas transações com o exterior (US$ 34 bilhões em 1997), causado pela sobrevalorização da moeda nacional.
Essa é a estratégia escolhida para manter a moeda estável. A inflação de 4,4% neste ano foi um bom resultado. Mas a crise financeira internacional, que explodiu em Hong Kong e na Coréia do Sul, pôs a nu a vulnerabilidade dessa política econômica geradora de déficits. O problema para 1998 é mudá-la sem fazer disparar a inflação; mas o governo quer mantê-la.
A atual política subordina aos ministérios da área econômica não só energia, meio ambiente, universidade, ciência e tecnologia, mas saúde, educação, a questão do desemprego -tudo, enfim. Sem mudar essa política, não há solução à vista para o futuro do país.

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