São Paulo, sábado, 1 de fevereiro de 1997
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Arte e mercado no Brasil

TELMO GIOLITO PORTO

A questão do valor mercadológico da arte brasileira está em pauta: ao final de novembro a Christie's vendeu Di Cavalcanti por preço recorde em Nova York. No mesmo mês, a revista "The Economist" atribuiu alegada fragilidade de nossa pintura à falta de uma identidade construída por revolução nacionalista. Em edição recente, a revista "Veja" publicou matéria sobre o mercado de arte.
A venda nova-iorquina é um fato promissor, principalmente quando se percebe que houve coerência com os valores pagos por outras obras de Di oferecidas no mesmo leilão.
A posição ideológica que liga arte e guerra civil é insustentável, no máximo podemos concordar que a expressão mexicana tem o belíssimo passado pré-colombiano para se apoiar. Os maias foram soberbos coloristas, mas, em contrapartida, nós temos a herança negra. O consumo norte-americano, seja por política de boa vizinhança, seja pela admiração por uma cultura autóctone antiga inexistente a norte da fronteira, é também fator de valorização da pintura do México.
Vale se deter na análise do mercado local. A mais notável tendência mundial, que também aparece no Brasil, é a do aumento do valor do excepcional. Sempre haverá comprador para a obra de grande qualidade. A escassez do "produto" e a concentração de renda, fenômeno planetário, garantem esta máxima.
No Brasil, a altura da "onda" entre preços médios e máximos é menos pronunciada, em razão da menor informação do comprador. O mesmo fenômeno produz diferença exagerada de valor entre trabalhos sobre tela e sobre papel. A atenção que a conservação de trabalhos sobre papel exige não chega a justificar as diferenças de preço que ocorrem.
Além da obra excepcional, cabe considerar a liquidez e a posição dos artistas vivos. Na liquidez, a obra de arte se assemelha a outras imobilizações de vulto: imóveis, pedras preciosas. Como nos imóveis, as altas somas envolvidas podem exigir espera na venda, até que se encontre o comprador "alma-gêmea" do quadro, o que é agravado pelo número limitado de consumidores potenciais de arte.
A pressa afeta muito o resultado da comercialização. Como nas pedras, as margens de intermediação são elevadas, decorrentes do padrão de atendimento exigido pelo público e do giro de estoque baixo. Assim, compra e venda em curto prazo resultaria em perda dessa margem, que pode atingir percentual significativo.
O interessado em pintura deve, portanto, colocar-se em uma de duas posições: ou adquire o que lhe agrada esteticamente e tem nisto parte da recompensa pelo negócio ou deve comprar boas obras de artistas consagrados, o que exige capital e trará rendimento a longo prazo não superior a de outros ativos seguros.
A escolha de uma "cesta" de artistas jovens pode ser alternativa com risco controlado, os ganhos provavelmente também não serão superiores a outros investimentos.
No Brasil, não existe a prática de os "marchands" sustentarem os preços de artistas sob contrato. Assim, pode haver grandes variações entre cotações em diferentes vendas e ocasiões.
É exemplar o caso das obras de Beatriz Milhazes e Antonio Henrique Amaral. Beatriz estudou no Parque Lage na década de 80, sofreu influência do movimento nova-iorquino Pattern & Decoration e hoje tem uma carreira promissora e várias exposições relevantes. O preço de suas obras "em galeria" foi comparado em dois momentos, mostrando merecida valorização.
Por outro lado, Antonio Henrique Amaral é um dos mais importantes pintores brasileiros: alia domínio técnico, expressão própria e coerência ideológica. Estudou na década de 50 com Shiko Munakata no Pratt Graphic Art Center de Nova York, vende regularmente nos EUA, tem prêmios, obras em museus de renome e inclusive um brilhantemente concebido painel do Palácio dos Bandeirantes. Não tem sentido avaliar sua cotação com base apenas numa venda específica, melhor seria ressaltar sua liquidez internacional.
O consumo de arte é, via de regra, regional, a exceção são nomes ou período ímpares -arte antiga italiana, Impressionismo. A liquidez de Antonio Henrique Amaral nos EUA é sinal de vitalidade do mercado brasileiro e, nesse sentido, deveria ser comemorada. Nenhum artista torna-se internacional sem o apoio de colecionadores, comerciantes e governo patrícios. Boa lembrança para todos nós, brasileiros.

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