São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Chacinas seguem impunes após 2 anos

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A engrenagem que colocou a Grande São Paulo no topo do ranking nacional das chacinas, com 167 mortes no ano passado, é movida por falta de proteção às testemunhas, lentidão judicial e impunidade.
Em cidades da Grande São Paulo, a situação é melhor. Em duas das seis chacinas de 1994 esclarecidas, parte dos autores foram condenados: um em Itapevi (três fugiram) e cinco em Santa Isabel (veja quadro à página 3-2).
Só em 3 das 34 chacinas de 1994 há autores condenados.
Esses números foram revelados em levantamento inédito feito pela Folha em 11 cartórios da capital e da Grande São Paulo.
Foram consultados os processos das 18 chacinas que a polícia esclareceu. O ano de 1994 foi escolhido por dois motivos: 1) é o mais antigo sobre o qual a polícia tem dados de cada uma das chacinas; 2) dois anos é o prazo médio que costuma durar esse tipo de processo, segundo juízes e promotores.
Circulo vicioso
Chacina, para a polícia, é sempre que há três ou mais homicídios num só local.
O número de mortos cresceu 24,6% nos últimos dois anos na Grande São Paulo por causa do tráfico de crack, segundo o delegado Jurandir Correia de Sant'Anna, 39, da Divisão de Homicídios. Ano passado, 40% das chacinas estavam relacionadas com drogas.
Mata-se para cobrar dívidas de drogas, na disputa por pontos do tráfico ou na partilha de furtos.
A impunidade tem duas razões, segundo o promotor Augusto Rossini, 32. "É difícil condenar autor de chacina porque não há provas e ninguém quer falar".
Falar, até falam, mas só à polícia. O trabalho da Divisão de Homicídios é elogiado por promotores, 52,9% dos casos de 1994 foram solucionados, mas esbarra-se num problema: as testemunhas não confirmam a juízes e promotores o que disseram à polícia em 95% dos casos, segundo a promotora Denise Maria de Mello Ferreira, 29.
"É um círculo vicioso. Há impunidade porque a testemunha cala e, como a testemunha se cala, a impunidade só cresce", diz ela.
Proteção a testemunhas
Uma das formas de interromper o círculo vicioso é adotar programas de proteção a testemunhas. Nos Estados Unidos, o governo federal muda a identidade da pessoa, arruma emprego em outro Estado e cuida até da sua mudança.
No Brasil, S. L., 16, sobreviveu aos cinco tiros que levou numa chacina e hoje se esconde na casa de parentes sem proteção policial.
Para Urbano Ruiz, 52, presidente da Associação Juízes para a Democracia, a polícia deveria ser mais independente em relação às testemunhas. "Apuração aqui depende muito de prova oral e a prova oral é a prostituta das provas, é a menos confiável de todas. Precisa de provas técnicas", afirma.
Precisa também romper com o processo que faz a população da periferia eleger como herói traficantes e matadores, diz o promotor Roberto Abreu de Assis Jr., 32.
"Não se esclarece chacina porque quem mata é simpático à população, é chamado de justiceiro, e quem morre não é considerado das melhores pessoas", afirma.
Para pôr fim a essa perversão, Assis Jr. receita mais Estado onde há mais miséria.

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