São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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EUA endurecem retórica com Brasil

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS, SUÍÇA

O governo norte-americano emitiu o equivalente a um ultimato ao governo brasileiro: ou abre seus mercados na mesma proporção que os Estados Unidos se dispõem a abrir os seus ou não haverá mais qualquer acordo comercial.
O tiro foi disparado na noite de sexta-feira por Stuart Eizenstat, recém-promovido pelo presidente Bill Clinton de subsecretário de Comércio Internacional para o posto de subsecretário de Estado para Assuntos Econômicos dos Estados Unidos.
Cobrança direta
Eizenstat citou o Brasil (e também a Argentina, principal sócio brasileiro no Mercosul) como países que, pela renda per capita e nível de competitividade, já têm status de países desenvolvidos.
Tais países "não estão mais em condições de pedir que abramos nossos mercados e não exijamos o mesmo deles", disparou o funcionário norte-americano, na presença do chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia e do embaixador do Brasil em Genebra, Celso Lafer.
"Queremos mais acesso a seus mercados", disparou ainda Eizenstat.
Lampreia ainda tratou de minimizar a belicosidade verbal de Eizenstat, dizendo que ele estava apenas repetindo a posição do governo norte-americano nas negociações sobre telecomunicações e sobre tecnologia da informação (ver texto ao lado).
Mas Jeffrey Garten confirmou à Folha que Eizenstat falava de todo o comércio e não apenas desses dois setores. É fonte autorizadíssima, pois foi antecessor de Eizenstat na subsecretaria de Comércio Internacional.
Volta a cláusula
Não bastasse o ultimato, Eizenstat reintroduziu a questão da cláusula social.
Trata-se de vincular acordos comerciais ao cumprimento, pelos países firmantes, de regras trabalhistas fundamentais.
O Brasil se opõe a essa cláusula, sob alegação de que se trata de protecionismo disfarçado.
Ou seja, os países ricos, defensores da tese, usariam o argumento de que o país x ou y não respeita direitos trabalhistas básicos para bloquear importações dele provenientes.
Eizenstat disse que, sem tal cláusula, seria "muito difícil manter o consenso sobre liberalização comercial".
Mais: a autorização congressual para o mecanismo chamado "fast track" (via rápida, em tradução livre) só virá acompanhada da exigência da cláusula social.
E o "fast track" é, segundo o próprio subsecretário, "central para a integração hemisférica".
Traduzindo: o "fast track" dá ao Executivo mãos livres para negociar acordos comerciais, como, no caso hemisférico, a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que envolve todos os 34 países americanos, exceto Cuba.
Mas, como o Brasil se recusa a aceitar a cláusula social, as negociações sobre a Alca, que recomeçam este mês, em Recife (PE), vão patinar ainda mais.
Em público
Agrava a situação o fato de o ultimato ter sido público. Foi durante jantar no restaurante "Grill", do Hotel Waldhuus, em Davos, como parte da edição 1997 do Fórum Econômico Mundial.
Como o tema era comércio internacional, ouviram o ultimato, além do chanceler brasileiro Lampreia, ministros ou vice-ministros de Comércio de cinco países, ricos como Japão e Canadá ou em desenvolvimento, como Argentina e África do Sul.
Sem contar empresários e acadêmicos, como Fred Bergsten, diretor do Instituto para a Economia Internacional (EUA), um dos maiores especialistas do mundo em comércio.
A única concessão feita pelo funcionário norte-americano no seu duro discurso foi em relação a prazos.
A abertura econômica, disse o funcionário, "não precisa ser no mesmo cronograma (dos Estados Unidos)".
Padrões trabalhistas
Eizenstat também reiterou quais são os padrões trabalhistas essenciais, na visão do governo do seu país.
Não se trata de um salário mínimo global, semelhante ao do mundo rico, mas do respeito ao direito de organização e livre negociação e do banimento do trabalho escravo e infantil.
Só com esses compromissos de parte de seus parceiros comerciais, o governo norte-americano conseguiria convencer o público interno a aceitar tais acordos.

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