São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Na dança dos mercados

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Até o ano 2005, os Estados Unidos pretendem fundir em um só mercado os países das três Américas, eliminando totalmente as tarifas de importação, mediante a criação da Área de Livre Comércio para as Américas -Alca.
Com isso, o continente transformar-se-ia no maior mercado do mundo, com mais de 1 bilhão de habitantes e mais de US$ 12 trilhões de PIB. A teoria diz que as economias participantes seriam fortalecidas pelo aprimoramento da competição, melhoria de produtividade e redução de preços.
Será que a prática confirmará a teoria? Tudo vai depender de como e quando se estruturar a Alca.
Em primeiro lugar, é preciso saber se as tarifas de importação serão zero para todos, inclusive para os americanos que, há décadas, colocam obstáculos à entrada de produtos brasileiros (aço, derivados de soja, suco de laranja, calçados etc.).
Em segundo lugar, é preciso ter garantias de que os países mais ricos -outra vez os Estados Unidos- abandonarão o gigantesco subsídio que concedem aos produtos agrícolas por eles exportados.
Em terceiro lugar, é preciso saber se os produtores das três Américas contarão com a mesma taxa de juros.
A questão dos juros é seriíssima. Na última semana, fiquei sabendo que a maçã de Santa Catarina está apodrecendo no chão porque ninguém consegue competir com a maçã chilena que chega ao Brasil financiada pelos próprios chilenos a juros de 3% ao ano.
Como os plantadores de maçã, há centenas de produtores brasileiros que modernizaram seus negócios, atualizaram a tecnologia, eliminaram ineficiências e -ainda assim- não conseguem competir por causa dos juros internos.
Levanto essas questões, torcendo para que elas sejam resolvidas. Essa parece ser nossa meta no médio prazo. Uma vez equacionados tais problemas, estaremos em condições de formar o pretendido mercado.
Sem querer endossar as teses de Ravi Batra, que defende o "protecionismo competitivo", concordo com ele quando diz que a prosperidade é fruto da produção ("The Myth of Free Trade", 1993). Ou seja, o comércio só existe se existir a produção.
A América Latina constitui um belo mercado. Hoje, somos cerca de 500 milhões de habitantes com poder de compra crescente. Em 2005, seremos 550 milhões.
As exportações latino-americanas têm crescido à taxa de 16% ao ano -bem maior que a já elevada taxa mundial, que é de 9,5% (OMC, "International Trade Trend and Statistics", 1996).
Grande parte desse crescimento ocorre dentro da própria região, Mercosul inclusive. O PIB atual da América Latina chega perto de US$ 1,5 trilhão e no ano 2005 ultrapassará os US$ 2 trilhões.
Essas projeções provocam o apetite e a gula dos que para cá desejam exportar. Só o Plano Real, em dois anos, incorporou 13 milhões de pessoas ao mercado de consumo do Brasil, podendo facilmente dobrar essa cifra até o ano 2005.
O assunto requer prudência. Modernizar, todos queremos. Mas, nessa negociação, não podemos correr o risco de amargar um fracasso econômico, social e político.

Texto Anterior: O povo bestificado
Próximo Texto: Reeleição no exercício do cargo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.