São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Repetitivas, tramas de novelas sucumbem à 'Síndrome de Cinderela'

ELAINE GUERINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mulher pobre conhece homem rico e, depois de uma série de encontros e desencontros, os dois se casam e vivem felizes para sempre. Essa sinopse, inspirada deliberadamente no clássico "Cinderela", traduz o espírito das principais tramas ou subtramas das oito novelas que estão atualmente no ar.
O gênero das produções varia da comédia ao drama, o enfoque pode ser histórico ou social e o perfil das heroínas se reveza entre as versões romântica, guerreira e interesseira. O que não muda é o apelo das histórias -sempre com uma "gata borralheira" à espera do príncipe.
"Essa ainda é a chave do melodrama. O casamento é a forma mais comum de ascensão social da mulher em novelas", diz Ana Maria Fadul, coordenadora do núcleo de pesquisa de telenovela da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP.
Segundo a coordenadora, o papel da mulher evoluiu pouco na teledramaturgia. Ela lembra que, nos anos 70, as personagens só cuidavam da casa ou tinham profissões essencialmente femininas. Na década de 80, as mulheres começaram a ganhar papéis de empresárias ou de profissionais liberais.
"Atualmente, a tendência é colocar a mulher trabalhando na mídia. Mesmo assim, os autores mais tradicionais ainda esquecem de dar profissões às mulheres e fazem do casamento sua única opção para subir na vida", afirma Ana Maria.
Conceitos arcaicos
Para Maria de Lourdes Motter, 55, que também integra o núcleo da ECA, as tramas deveriam retratar as atuais formas de casamento. "A união entre ricos e pobres é feita com separação de bens. O problema é que o público não consegue se desvencilhar de conceitos arcaicos que estão enraizados na nossa cultura. Por isso, a idéia do príncipe encantado ainda faz tanto sucesso."
A fórmula "mulher pobre + homem rico = casamento feliz" nasceu nos romances ingleses do século 18, como consequência da ascensão da burguesia com a Revolução Industrial. "Mais tarde, em meados do século 19, a fórmula se consolidou no folhetim", lembra Marlyse Meyer, autora do livro "Folhetim: Uma História".
Infalível
Segundo Mauro Alencar, 34, consultor de novelas da Globo, o mito da Cinderela é "infalível". "Esse foi um dos fatores que determinaram o sucesso de 'Escrava Isaura' (Globo, 1976/77). A trama reproduz até a cena do baile. Só que, ao invés de virar abóbora, a protagonista é desmascarada à meia-noite."
O consultor cita ainda "Anjo Mau" (1976) e "Carinhoso" (1974) como exemplos clássicos de produções que se inspiraram na personagem criada por Walt Disney. A primeira novela a recorrer ao mito foi "A Moça que Veio de Longe" (Excelsior, 1964), com Rosamaria Murtinho no papel-título -ela vive a empregada que se casa com o patrão (Hélio Souto).
"A trajetória de uma moça pobre até o altar dá audiência no mundo inteiro. O público adora acompanhar a transformação da personagem. As novelas mexicanas e venezuelanas são as que mais exploram o recurso", afirma Alencar.
Ana Maria Moretzsohn, 46, autora de "Perdidos de Amor", exibida na Bandeirantes, reconhece o lado "gata borralheira" da personagem Vivian, interpretada por Paula Burlamaqui. "Quem é que não sonha com um príncipe encantado? A idéia atrai não só pelo glamour, mas por ele representar um salvador. Quem é que não quer encontrar alguém que mude a sua vida, os seus horizontes?"
Na trama de Moretzsohn, Vivian faz a linha Cinderela interesseira. Não se cansa de repetir que seu objetivo na vida é encontrar um "HR" (homem rico). "Ela age maliciosamente nesse sentido. Sempre quis conciliar amor com dinheiro. Como já perdeu Pedro (Lugui Palhares), o homem que ela ama, só restou correr atrás dos cifrões", conta a atriz Paula Burlamaqui, 29.

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