São Paulo, segunda-feira, 3 de fevereiro de 1997
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As tatuagens do maitre indiano

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O maitre tem de arregaçar as mangas para apanhar as ostras no fundo do aquário de único restaurante japonês de Durban, leste da África do Sul. Dá para ver seu braço direito todo coberto de tatuagens.
O maitre é indiano (há mais de 1 milhão de indianos em Durban), mas se comunica em dialeto cantonês com o sushiman, vindo de Hong Kong.
Ao lado, dois negros de sotaque vagamente lusitano (Moçambique?) conversam com um japonês de cabelos grisalhos e espetados, que conta histórias de pescador em português do interior de São Paulo (esse mesmo japonês seria visto dois dias depois visitando uma aldeia zulu).
"Dá muito peixe aqui nesta região... Você deve ter peixe fresco ótimo, todo dia, para fazer bons sushis..."
"Que nada! Vem tudo congelado do Japão."
O DJ Barney Simon, da 5 FM, pede aos ouvintes que liguem revelando qual o pior disco da coleção de cada um.
"Muito bem, estamos recebendo mais uma ligação. Qual a pior coisa que você tem em casa?"
"Acho que é o Meat Loaf."
"Como assim? Qual disco dele?"
"Huh-huh-huh-huh... hmmm... hmmm..."
Barney Simon não facilita com seus jovens ouvintes.
Moças com ar de secretárias sem grandes pretensões lêem "High Fidelity", de Nick Hornby, no metrô de Londres.
O porteiro do pub em Kentish Town pergunta qual banda viemos assistir, das três que estão tocando naquela noite.
"Valderramas".
Apesar do grande nome, os Valderramas acabam soando como um sub-Superchunk. Pelo menos, fecham com um cover curioso: "Temptation", do New Order ("up, down, turn around, please don't let me hit the ground"... tempos velhos).
As duas lojas de discos mais legais de Londres, Rhythm Records e Rough Trade, entregam metade das prateleiras a ritmos como trip-hop, drum & bass, house, garage, Goa trance... A garotada só quer saber de Chemical Brothers.
Carecas nazi não deixam ninguém chegar perto do palco no show dos Meteors (sim, os vovôs do psychobilly ainda estão vivos).
Todo mundo come com a mão no restaurante de culinária da Eritréia, todo mundo toma cervejas esquisitas no Belgo, um galpão pós-industrial que também fabrica comida.
Há mais coisas em comum entre África do Sul e Inglaterra do que a língua e os carros com direção do lado direito. E elas são duas: "I'm Fine", do Prodigy ("a linha de baixo mais cool tocando neste momento, em qualquer rádio de qualquer parte do mundo", define o locutor de uma estação sul-africana) e "Born Slippy", do Underworld.
*
O referido é verdade e dou fé.

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