São Paulo, segunda-feira, 3 de fevereiro de 1997
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"Tieta" se mostra contente demais

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ano passado, ao ser lançado no cinema, "Tieta", de Cacá Diegues, foi saudado como o filme que estava faltando para consolidar o renascimento do cinema nacional. Um renascimento difícil, que precisou acertar as contas com dois cadáveres ilustres, a Embrafilme e a era Collor.
As coisas no Brasil aparecem muitas vezes com sinais trocados e foi o jornalista Marcos Augusto Gonçalves, desta Folha, quem matou a charada.
"Tieta", disse ele, é sim um marco nacional, mas não por inaugurar uma nova era em nosso cinema, e sim porque fecha, com quase 20 anos de atraso, o ciclo pós-cinemanovista dos anos 70, que pretendeu assimilar alguns avanços estéticos e formais do cinema novo às malhas do mercado.
Ocorre que o Brasil da era FHC não é mais o país da era Geisel, embora tenha gente imitando o papel que Glauber Rocha fez naquela época, quando aderiu ao "líder modernizante" depois de ter posto os cinco dedos na ferida da alma nacional com "Terra em Transe".
O país hoje pede novos espelhos, e "Tieta" de Cacá diegues, disse Marcos Augusto, nos oferece um retrovisor. A imagem é imbatível.
Isso não significa que seja um filme ruim. Cacá Diegues traduz com muito talento o Brasil lírico, doce, excessivo, ondulado, repleto cheiros primitivos, cores sanguíneas e volúpia sexual que povoa toda a obra de Jorge Amado.
Há, além disso, Marília Pêra provando mais uma vez sua excelência como atriz, há a trilha lindíssima de Caetano e Jacques Morelenbaum, há Claudia Abreu confirmando seu talento, há, por fim, a plasticidade de uma Bahia utópica, mítica, que parece estar além do bem e do mal, como Sonia Braga.
Diegues conseguiu um filme, como ele disse, "contra a cultura masculina da brutalidade (...) em que se celebre uma cultura feminina, como metáfora da delicadeza, do espírito, da finura, da beleza".
Isso faz a força e a fragilidade de "Tieta", que é um filme afirmativo demais, contente demais, demasiadamente a favor da maré. Falta-lhe, numa palavra, aquela negatividade, aquela gota de veneno, sem as quais não existem grandes obras. Gostar ou não de "Tieta" não é uma questão de gosto, mas de bem-estar ou mal-estar na civilização brasileira. Fora isso, o filme é muito agradável de se ver.

Filme: Tieta
Produção: Brasil, 1996
Direção: Cacá Diegues
Com: Sonia Braga, Marília Pêra
Lançamento: Columbia (011/5505-3836)

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