São Paulo, segunda-feira, 3 de fevereiro de 1997
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Brasil: o resgate do interior

AUGUSTO MARZAGÃO

O Brasil não conhece uma política de interiorização do desenvolvimento, mas apenas a retórica dessa política. A prosperidade de certas regiões interioranas tem dependido basicamente de condições favoráveis que lhes são próprias.
Quanto aos numerosos municípios em situação de abandono e de pobreza, pouco se fez programaticamente para resgatá-los desse destino de segunda classe. Continuam órfãos ou párias da Federação.
No entanto, o fortalecimento do nosso interior tem um papel decisivo no progresso econômico e social do país. A redução das desigualdades regionais, a mais justa distribuição de renda, a melhoria dos padrões de vida da população e outros avanços qualitativos resultarão necessariamente de um processo de revisão do Brasil rural.
Essa é a tendência hoje dominante na experiência mundial, por meio de investimentos direcionados para o interior, invertendo os rumos que produziram as migrações para os grandes centros urbanos e ali criaram dramáticas disfunções sociais e humanísticas. A desconcentração evita ou limita o êxodo, desde que programas de geração de renda e de empregos -sobretudo na agroindústria- sejam acionados.
Nos EUA dos tormentosos anos 30, o "New Deal" de Roosevelt adotou, entre outras providências, a compra de 3,6 milhões de hectares de terra inculta, em 43 Estados, ali instalando 208 colônias agrícolas; o encaminhamento de jovens solteiros e desempregados, de 14 a 22 anos, das cidades para o campo; a retenção de 50% do salário que cada jovem recebia nas colônias agrícolas para subsidiar os pais carentes, irmãos menores, inválidos etc.; a negociação com os bancos para a moratória aos lavradores inadimplentes.
Assim, em janeiro de 1935, 20 milhões de americanos haviam sido transferidos para a zona rural. O governo construía frigoríficos, armazéns, silos e estradas para movimentar a produção. A taxa de desocupados nas capitais caiu verticalmente.
Em 1960, tivemos a iniciativa do presidente Charles de Gaulle. Impressionado com o congestionamento de Paris e os efeitos desumanos de seu agigantamento, que exauria as energias do país, o grande estadista francês criou a Datar, para industrializar e desenvolver as regiões de forte imigração, como Bretanha, Pays-de-la-Loire e Poitou-Charentes.
Sabe-se que o presidente Fernando Henrique Cardoso defende projetos de interiorização, com o que pretende levar profissionais recém-formados (médicos, enfermeiras, agrônomos, engenheiros, dentistas, professores) para municípios desassistidos, com o apoio de financiamentos do BNDES destinados a despesas de instalação e equipamentos de trabalho. Os passos, entretanto, ainda são tímidos.
Políticas sociais são de mais fácil aplicação nas comunidades do interior. Por exemplo, reduzem-se as possibilidades de o menor permanecer abandonado, pois as instituições oficiais de assistência e as particulares de caridade são menos burocratizadas e mais acessíveis. Grupos de famílias mostram maior sensibilidade diante das penúrias de uma criança carente e de sua vulnerabilidade a vícios e crimes.
Milhares de novos prefeitos iniciam agora as suas administrações, a maior parte enfrentando situações de prática inviabilidade financeira.
É o caso de se unirem, o quanto antes, em torno da bandeira do revigoramento do interior, que é, afinal, o espaço maior e inseparável da realidade brasileira.

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