São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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Os dois Francis

JANIO DE FREITAS

No momento em que um amigo me comunicou a morte de Paulo Francis, era nele ainda que eu pensava, depois de ver na Folha uma foto do megaespeculador George Soros, a quem Francis no domingo chamara, pela TV, de vagabundo e gatuno, ou coisa que o valha. A foto me lembrara a conveniência de alertá-lo para o risco judicial de insultar, nos Estados Unidos, pessoas residentes lá. Mas na mesma hora me ocorreu que a intenção talvez levasse a insultos ainda maiores e mais espalhados.
Essa reação seria típica do Paulo Francis. Isto é, do Paulo Francis que, na minha ótica, o Paulo Francis anterior resolveu que surgiria com a mudança para Nova York. Um personagem inventado com o capricho e o talento do sempre apaixonado por teatro que, à falta de uma peça sua para elaborar o grande personagem, criou-o na sua vida mesma.
O Paulo Francis iracundo, vociferante, capaz de injustiças e crueldades verbais intoleráveis, esse Paulo Francis nunca existiu como pessoa. Era o personagem que, por ser personagem, podia fantasiar à vontade, narrando seus vôos no Number One, o exclusivíssimo avião dos presidentes americanos, relações pessoais que jamais existiram, entrevistas que não aconteceram, leituras que não se concluíram ou nem começaram, mas nem por isso deixavam de merecer avaliações definitivas. Definitivas em termos, porque nem sempre o personagem era bem servido pela memória do seu autor.
Ninguém consegue ser personagem o tempo todo. E, à criação do seu, o Paulo Francis real juntou sempre o seu talento enorme, o bom gosto de sua cultura vasta e rica, a generosidade que nunca lhe faltou na convivência com os amigos e que tanto surpreendeu recém-chegados ao seu convívio profissional ou social.
Há muito tempo Paulo Francis me suscitava a impressão de um imenso desperdício. Ainda bem que não lhe disse isso. Muita coisa, mesmo, havia mudado nele. Mas não o bastante, nem de longe, para arranhar minha convicção de que Paulo Francis, figura mais proeminente da nossa geração de jornalistas, era muito melhor do que o seu jornalismo.
Callado
Faltaram aqui, e não tenho como me penitenciar disso, algumas palavras sobre a retirada de um jornalista com a importância de Antonio Callado. Não tivemos maior convívio, mas não lhe faltei com a admiração e o respeito pela integridade, a inteligência e a consciência cívica que o caracterizaram e de que fui testemunha algo distante, mas atenta.
Foi, ele também, um imenso desperdício. Mas dos jornais, que passaram anos sem o utilizar, até que a Folha o trouxe de volta aos leitores mais antigos e à descoberta pelos mais novos.
Os três de hoje
Não há dúvida, de espécie alguma, sobre as qualificações muito maiores do deputado Prisco Viana para exercer a presidência da Câmara, se comparado com seus competidores Michel Temer e Wilson Campos. Grande conhecedor da Câmara e do Congresso sob qualquer aspecto, competente como político e isento de figurações indecorosas, Prisco Viana é, entre os três, o único de quem se poderia esperar que repusesse a Câmara no caminho da convivência digna, e portanto não mais servil, com o Executivo e particularmente com a Presidência da República.
Mas o candidato de Fernando Henrique Cardoso e do vale-tudo governamental é Michel Temer, sobre o qual, para defini-lo como candidato, não se precisa dizer mais do que isso mesmo. Ou seja, nem vale a pena rememorar seus tristes papéis, autodesignando-se relator da falsa reforma da Previdência ou, na semana passada, desobedecendo a convenção do mesmo PMDB de que é líder, para melhor sujeitar-se a ordens de fora do partido e da Câmara.
O deputado Wilson Campos foi a figura central de um escândalo que lhe custou a cassação do mandato, e não por motivo político, que ele era um dos durões arrogantes da Câmara controlada pelos militares. Extinta a cassação, Wilson Campos voltou ao Congresso para uma vida parlamentar tão apagada quanto a anterior, embora com a inovação da simpatia distribuída a granel. Se surpreender, com os votos dos deputados obscuros ou preteridos, não será o caso de preocupar Fernando Henrique em relação à continuidade da subserviência da Câmara.

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