São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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Distinguindo entre Microsoft e Coteminas

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Na última coluna aqui publicada, foi dito que a eleição pelos poderes públicos dos ramos de atividade a serem promovidos (política industrial, no sentido forte da palavra) é algo que praticamente desapareceu na atualidade.
A mais óbvia razão disso consiste no declínio da capacidade mobilizadora e coordenadora dos Estados nacionais. Mas é igualmente importante lembrar que na Finlândia, na França ou nos Estados Unidos -e de forma ainda mais acentuada no Japão e na Coréia- vieram a se consolidar grandes empresas capazes de operar como eixo, ou, melhor dito, cabeça de cadeia nos mercados doméstico e internacional.
Essas empresas exercem funções, especialmente no que concerne à coordenação de decisões, que em alguma medida se assemelham a anteriores atribuições do Estado.
Nesse sentido, nada mais desatualizado que a suposição smithiana de que, numa economia de mercado, "quando os produtores se reúnem, o público padece". Para ou bem ou mesmo para o mal, em cadeia ou em rede, diversos conjuntos de empresas mantêm-se hoje permanentemente "reunidos".
Uma outra razão para o declínio das políticas industriais de corte clássico consiste em que as economias que se notabilizaram pelo uso dessas políticas, na Europa e na Ásia (Japão e os chamados "tigres asiáticos"), praticamente já atingiram a fronteira das técnicas.
Naturalmente, à medida que isso ocorre, torna-se muito mais difícil prever os caminhos do crescimento. Afinal, prever, na fronteira, significa antever os próximos passos do conhecimento humano!
Consistentemente com o que acaba de ser dito, foi também advertido que as políticas industriais mudaram de natureza, mas não desapareceram. Numa palavra, transferiram o seu foco de atenções do estímulo a atividades singulares para o apoio à pesquisa e a socialização do risco (em atividades inovadoras).
Diante dessa realidade, que dizer das responsabilidades da política econômica no tocante à assignação de recursos, no Brasil de hoje?
Aqui, o avanço das atividades produtivas não requer a introdução de produtos ou técnicas jamais experimentados. Basta transpor adequadamente soluções inúmeras vezes já testadas.
Por outro lado, com o prosseguimento da abertura e o avanço da privatização, as empresas líderes passam a ser filiais de multinacionais. Supor que elas possam assumir as mesmas funções que, mal ou bem, vêm sendo exercidas por uma Boeing nos Estados Unidos ou uma Samsung na Coréia seria bastante ousado.
Curiosamente, no entanto, registre-se que o regime automobilístico brasileiro vem sendo defendido perante autoridades norte-americanas pela General Motors e pela Ford. Ao fazê-lo, no entanto, elas se dirigem ao "seu" governo...
Confrontadas com uma pressão competitiva brutal, oriunda da abertura com valorização cambial, numerosas empresas (aí incluídas filiais de multinacionais) encontram-se, neste momento, mergulhadas em fervilhante processo de modernização. A explosão das compras de equipamentos, peças e insumos (dotados de novas propriedades) é o melhor indicador desse fato.
Esse movimento, combinado com a introdução de profundas mudanças organizacionais -e tendo por objetivo dominante a redução de custos- tem se traduzido em vigoroso crescimento da produtividade do trabalho.
Ninguém sabe ao certo o que pode ocorrer em decorrência dessa desordenada fuga para a frente. Não cabem dúvidas, contudo, quanto ao fato de que a curto prazo -otimisticamente, de três a cinco anos- esse movimento traz consigo enormes pressões sobre o balanço de pagamentos; desemprego; e profundas mudanças no quadro regional.
Encontrando-se a dívida externa em rápido crescimento, sendo este um país caracterizado por gravíssimos problemas sociais e tendo as regiões adquirido, nos últimos anos, grande poder político, não é de estranhar que essas mudanças tragam consigo dificuldades e demandas de variada ordem.
Até o presente, a resposta do governo a essas dificuldades e pressões surgiu de forma casuística. O discurso oficial, aliás, teima em ignorá-las. Parece crer que foram tropeços singularíssimos e, ademais, politicamente explicados.
Diante do que acaba de ser dito, a vitória do governo na última semana adquire um significado todo especial.
Concretamente, daqui por diante o governo não vai mais atuar sob a pressão imediata das circunstâncias. Encontrando-se as oposições efetivamente desbaratadas -e sendo o panorama externo verdadeiro céu de brigadeiro-, poderão, obviamente, escolher. E as possíveis opções são duas.
Ou adotam o neoliberalismo consequente -e, no meu juízo, suicida- ou reconhecem e assumem a necessidade de participar, de diversas maneiras, nas decisões relativas à intensíssima reassignação de recursos em pleno curso na economia.
Para tanto, não é necessário formular grandiosas e acabadas propostas -que todos sabemos inexistentes. Basta reconhecer que nos encontramos diante de uma realidade historicamente inédita, problemática, mas promissora.
Ao contrário do que acaba de declarar o secretário de Política Econômica ("O Estado de S.Paulo", 2/2/97), não há nenhuma semelhança entre as "grandes e exemplares" empresas Microsoft e Coteminas. E isso não apenas pelas inestimáveis contribuições da primeira como pelo extraordinário apetite revelado pela segunda na captura de incentivos fiscais e creditícios.

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