São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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Mercado ou nação?

HÉLCIO TOKESHI

O papel do Brasil na economia global não está nem será determinado pelo exterior. Vai ser decidido pelos mecanismos que nós brasileiros escolhermos para pautar as relações entre o Estado, o capital e o trabalho. As opções são ou controlar os conflitos entre capital e trabalho basicamente por meio do mercado; ou explorar os pontos em comum entre os capitalistas, os trabalhadores e o interesse nacional. Uma opção nos transformará numa economia de baixos salários; a outra tornará possível o desenvolvimento com redistribuição.
Todo país que se industrializa se vê as voltas com o conflito entre capital e trabalho. Do ponto de vista coletivo, seria melhor se ambos cooperassem, isto é, se os capitalistas investissem bastante e os trabalhadores moderassem suas demandas salariais. Altos investimentos geram ganhos de produtividade, que são a base para aumentos sustentados de salário. Moderação nos aumentos de salário permite aos capitalistas reter o dinheiro necessário para os altos investimentos.
Entretanto, todos têm bons motivos para não cooperar. Se os trabalhadores moderam suas demandas, eles arriscam ver os capitalistas transformarem os maiores lucros em mansões, em vez de investimentos produtivos. Os capitalistas, uma vez amarrados os seus lucros em novas fábricas, correm o risco de ver os trabalhadores capturarem todos os ganhos de produtividade por meio de maiores salários. Deixados por conta própria, capitalistas e trabalhadores acabam escolhendo estratégias que geram um ciclo vicioso de baixos investimentos, baixa produtividade e baixos salários.
Não surpreende que o Estado tente intervir para promover o ciclo virtuoso de altos investimentos, alta produtividade e aumento dos salários. No passado, o Estado brasileiro promoveu altos investimentos, fechando a economia para proteger a indústria nacional ou fazendo-os ele mesmo. A moderação dos salários foi conseguida controlando os sindicatos, usando paternalismo e repressão.
Nos anos 80, a crise fiscal do Estado tornou compulsória a abertura da economia e o maior controle das contas públicas. Agora, em vez de reprimir as demandas dos trabalhadores, o Estado usa a ameaça do desemprego gerado pela concorrência externa e pela política monetária apertada.
Em vez de tabelar os preços e fazer ele os investimentos produtivos, o Estado, por intermédio da desregulamentação e da abertura da economia, faz com que os capitalistas não tenham alternativa senão investir e cortar custos para aumentar a eficiência. Numa economia aberta e estável, controles impostos pelo Estado tornam-se obsoletos, porque investimentos e moderação dos salários são simples resultado da necessidade de sobrevivência no mercado.
Disciplina do mercado é bom, mas não sem consequências. Política monetária apertada e concorrência externa em exagero fazem com que os capitalistas privilegiem projetos de investimento de curto prazo, baseados em mão-de-obra barata.
Se nos períodos difíceis os trabalhadores ficam à mercê do mercado, manda o bom senso que eles busquem o maior salário possível quando a economia se aquece. Para preservar a competitividade, o governo é forçado a segurar a economia com altos juros, porque qualquer surto de crescimento provoca aumento acelerado de salários. Confiar só no mercado para controlar o conflito entre capital e trabalho é caminho certo para uma economia fadada a concorrer com as "maquilas" mexicanas na base de baixos salários.
A alternativa é combinar os incentivos de mercado com mecanismos de compromisso que alavanquem os pontos em comum entre capital, trabalho e o interesse nacional. Dada a desconfiança mútua e justificada entre as partes, é preciso criar garantias de que sacrifícios no presente darão retorno no futuro.
A moderação de salários torna-se mais palatável para os trabalhadores se o Estado cobra altos impostos sobre os lucros e garante sua transformação em investimento em capital humano. Por outro lado, o Estado deve se mostrar pronto a usar a política monetária para brecar a economia, caso os aumentos de salário se tornem exagerados, assegurando a moderação por parte dos trabalhadores.
Neste Brasil alternativo, os capitalistas pulam miudinho para sobreviver na economia global, mas o Estado dá condições para que eles invistam em tecnologia e na sua mão-de-obra, e os trabalhadores moderam suas demandas de salário ao permitir os ganhos de produtividade. Os trabalhadores não têm nenhuma garantia de emprego, mas têm a garantia de treinamento, de participação nos lucros e de assistência social que funcione.
A reforma do Estado lhe impõe controles e regras de transparência tão fortes quanto os de mercado a que se sujeita a sociedade civil. Ou seja, capitalistas, trabalhadores e o Estado desenvolvem mecanismos de vigilância, contenção e diálogo que os amarram todos em prol do interesse nacional. Nós temos que deixar de agir como "emerging market" e passar a pensar como "emerging society".

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