São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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'Synphonia da Metrópole' exalta Brasil urbano

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O crítico João Luiz Vieira considera o documentário de 1929 "São Paulo, a Synphonia da Metrópole", dos emigrantes húngaros Rudolpho Lusting e Adalberto Kemeny, cuja cópia foi restaurada, e "Limite", de Mário Peixoto, as maiores contribuições brasileiras para a "avant-garde" internacional.
Eu faria uma comparação mais abusada. "Synphonia da Metrópole" está para o cinema como "Os Sertões" (Euclides da Cunha) está para a literatura. Aparentemente, são alhos e bugalhos, mas ambos têm um tema comum, a "republicanização" do Brasil, a colônia agrária e escravagista (o passado) atropelada pela modernização (o futuro), o otimismo positivista -"ordem e progresso".
No livro, assim como no filme, chegam as máquinas para pôr fim à desordem brasileira.
"Synphonia da Metrópole" é o sertão pedindo arrego, é o país urbanizando-se. E São Paulo, com o dinheiro fácil do café ("ouro verde") e com o desembarque de emigrantes qualificados, é a musa dos futuristas.
O documentário registra um dia na metrópole, o amanhecer (o bonde, a máquina atravessando a bruma), o leite, pão e jornal sendo entregues, as crianças indo às escolas ("rumo ao saber"), as fábricas começando mais uma jornada. E carros, muitos carros.
A dona de casa liga o rádio, o radialista fala ao microfone e o jornalista telegrafa. Os relógios estão em toda a parte, esta máquina portátil de controle do tempo. O guarda aciona o farol de trânsito, maquininha que controla o vaivém. Operários constroem prédios; no texto do filme, "construtores fazem o nosso conforto".
O Instituto Butantã é o exemplo do domínio sobre a peçonhenta natureza. Nele, os últimos resquícios da vida selvagem, cobras e aranhas, estão aprisionados e têm o veneno extraído.
O documentário dedica tempo razoável à Penitenciária do Estado de São Paulo, o "Instituto de Regeneração". Presos ordeiros trabalham, fazem exercícios, estudam. "Trabalho e disciplina resgatam o homem... Vencerão mais tarde quando as portas se abrirem", diz o filme. Em outras palavras, controlar o que é periférico, marginal, selvagem e trazê-lo para o centro produtivo. É o ideal de uma época.
Mas o que para nós, hoje, é um transtorno (fumaça das fábricas, trânsito, crianças nas ruas pedindo ou vendendo), para a época era progresso. O filme choca. Faz concluir que São Paulo mudou, cresceu, mas não mudou nada, e o que era virtude virou defeito.

Filme: São Paulo, a Synphonia da Metrópole
Onde: CineSesc (rua Augusta, 2.075)
Quando: hoje, às 21h (para convidados), e amanhã, às 20h e 22h
Quanto: entrada franca

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