São Paulo, quinta-feira, 6 de fevereiro de 1997
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Relatório de escritor faz balanço contido dos anos 90

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos anos 70, era o livro "LSD", de John Cashman (Perspectiva), que passava de mão em mão no circuito universitário -nada mais fascinante que ler em detalhes sobre o que se estava tomando.
Agora, chega ao Brasil "Ecstasy e a Cultura Dance", um relatório completo sobre "a droga do amor".
Sem pretensões de fazer apologia desta ou daquela droga, tais livros embutem o retrato de uma época -afinal, reflete na droga que se toma o mundo em que se vive.
Exemplos: em momentos de recessão como no pós-guerra, assistiu-se ao boom da morfina; depois, a heroína invadiu uma Europa combalida pela crise econômica; em anos de crescimento que exigiam produtividade sobre-humana, como os 80, a cocaína caiu (ou foi jogada) do céu.
Nos prenúncios das inversões, o LSD e o ecstasy anunciaram (anunciam) que a insatisfação é ampla e coletiva.
Tais livros devem ser lidos longe das arcadas judiciais, mas através da lupa comportamental.
"Ecstasy e a Cultura Dance", cuja versão brasileira tem prefácio da jornalista e colunista da Folha Erika Palomino, musa da cultura "dance" brasileira, traz um histórico da droga e de sua posterior proibição, um balanço dos efeitos pessoais e sociais e uma análise dos danos físicos e psicológicos e das experiências em rituais.
O autor foi cuidadoso em destacar o ambiente em que ela proliferou, o das "raves" (festas em grandes espaços) e a cultura "dance" gerada por usuários e simpatizantes.
O LSD e o ecstasy não pertencem a cultos de povos antigos. São drogas de laboratório.
Foram inventadas com intenções terapêuticas, na era de contestação à psicanálise -procuram-se sanar distúrbios psicológicos pela química e não de um longo tratamento em divã.
Ambas foram inventadas por químicos (o ecstasy, na Universidade de Berkeley, Califórnia, berço da contracultura), testadas em pacientes e depois banidas.
Quando banidas, entraram pela porta dos fundos da invisibilidade da cultura juvenil. Então, a mídia representou o papel do diabo.
Uma das qualidades do livro é mostrar as deturpações sobre a droga, típicas em uma imprensa sensacionalista. O autor prova que jornalistas manipularam dados para mistificar a droga.
Mas o autor usa argumentos quase infantis para explicar a proibição, que seria um lobby da indústria do álcool e tabaco, e que os jovens querem se divertir, "mas o governo é contra".
Saunders, um usuário confesso, por vezes parece um deslumbrado. Afirma que, na Irlanda do Norte em guerra, jovens católicos e protestantes se unem quando o assunto é ecstasy, e que "hooligans" (torcedores de futebol) tornam-se dóceis sob efeito da droga. Sugere que o ecstasy traz a união de povos e pacifica conflitos insolúveis.
"O MDMA (princípio ativo do ecstasy) é único porque oferece um rápido e eficiente desbloqueio na estrutura de defesa da pessoa, facilita a mudança de um estado autodestrutivo para uma inclinação ao amor próprio e pelos outros, estimula as pessoas a trocar o isolamento pelo contato e intimidade pelos outros", está no livro.
Dentro de um ambiente em que as relações pessoais são tensas e regradas (travadas), como entre a juventude inglesa e norte-americana, o ecstasy torna-se a salvação. Já em países latinos como França, Espanha e Brasil, onde a afetividade extrapola esferas da razão, a droga é pouco usada.

Livro: Ecstasy e a Cultura Dance
Autor: Nicholas Saunders
Lançamento: Editora Publisher Brasil
Quanto: R$ 25 (300 págs.)

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