São Paulo, sexta-feira, 7 de fevereiro de 1997
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Bogart e Hemingway disputam martini

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

CASSIANO ELEK MACHADO
Durante décadas, ao menos quatro preocupações em comum roubaram a atenção do americanos Ernest Hemingway e Humphrey Bogart. E não exatamente a literatura para o primeiro ou Hollywood para o segundo.
Na verdade, o que mais os interessava era o fato de terem a mesma idade, o violento instinto de sobrevivência do macho, o desejo incontido pelas mulheres e, talvez o mais importante, a necessidade de um exemplar, incriticável e quase divino martini.
Dois bares temáticos em São Paulo tentam, agora, suavizar ao menos uma dessas idéias fixas. Possivelmente a mais difícil: a bebida.
*
Quando vemos Bogart em "Casablanca" (1943), logo em suas primeiras cenas, seu personagem, indagado sobre o porquê de ter se mudado para o Marrocos -um país desértico-, nos oferece um enigma: "Vim por causa da água".
O cliente que chega ao bar do restaurante Bogart talvez seja motivado, também, por uma mesma razão misteriosa.
No caso, a chance -muitas vezes infantil e inconfessável- de mergulhar no glamour e na mitologia que aproxima o ator de ambientes esfumaçados, um piano com canções de Cole Porter e mulheres de vestidos longos.
O piano, o bar Bogart oferece. E também uma certa confusão entre o que é a sofisticação e o que o senso comum imagina que seja a sofisticação.
Assim, naturalmente, há espelhos demais, carpetes com fios altos e grossos em excesso e, como se já não bastasse, gravuras e fotos de hollywoodianos e cantores espalhados pela parede.
Mas, se o visitante consegue vencer a decepção de repentinamente estar aprisionado em um clichê, poderá usufruir da atitude quase reverencial do serviço.
Os garçons -ainda que dificilmente esbocem um sorriso- mantêm a distância precisa e o tempo correto, deixando o visitante à vontade para o grande momento da noite: o martini.
Por volta da segunda dose -o momento em que o julgamento ainda é aceitável-, o consumidor pode, depois de fazer o balanço entre as perdas e ganhos, julgar que a bebida valeu a noite.
Isso apesar de não seguir a receita propagandeada por Hemingway para o martini perfeito: uma boa dose de gim, aproximar o copo dos lábios e murmurar em tom quase inaudível: "vermute", "vermute".
*
A prateleira etílica de Ernest Miller "Papa" Hemingway foi uma das mais elásticas que a literatura já registrou.
Pouco antes de morrer, o barman Andy MacElhone, do mitológico Harry's Bar de Paris, confessou.
O bloody mary, drinque sinuoso que mistura uma dose de vodka, suco de tomate, pimenta-do-reino, limão e angostura, fora inventado especialmente para o escritor.
Eternamente associadas à figura do autor de "O Velho e o Mar" estarão sempre pelo menos outras duas combinações alcoólicas.
Hemingway usava como bordão a frase "Mi daiquiri en la Floridita y mi mojito en la Bodeguita", se referindo aos seus drinques prediletos e aos bares cubanos que os executavam com perfeição.
Repleto de vícios e virtudes, o recém-inaugurado bar Hemingway se destaca pela competência no preparo do mojito, "assemblage" de rum escuro, folhas de hortelã amassadas, gotas de limão e club soda.
Não adianta imaginar que a freguesia bronzeada do bar realize grandes colóquios sobre o escritor. Um dos sócios da casa, Zito Silveira, diz que muitos deles já lhe perguntaram "Remi, o quê"?
O bem editado cardápio tenta preencher as largas lacunas.
Se a maioria dos clientes do bar-restaurante-danceteria provavelmente nunca levou para o quarto um dos romances de Hemingway, muitos poderão apreciar uma receita original que "Papa" desenvolveu para cobrir os vazios da sua espaçosa barriga.
Em 1948, Hemingway fundou em Havana a "Ordem Real dos Comedores de Camarão". Para celebrar o fato, o ganhador dos Prêmios Nobel e Pulitzer criou o prato "camarão real".
Os crustáceos são marinados em cerveja, salpicados em coco ralado e fritos. Um potinho com molho à base de geléia de laranja e raiz forte completa o desafio gastronômico. Uma porção com seis módicos pedaços do crustáceo custa R$ 26.
Hemingway frequentou touradas em Madri, foi motorista de ambulância durante a Primeira Guerra, caçou leões na África e visitou o Kilimanjaro.
É difícil imaginar esse mesmo Hemingway dentro da casa que leva o seu nome.
Já na entrada o escritor poderia enfrentar problemas. Não se pode entrar de tênis no recinto.

Bar: Hemingway
Onde: av. Faria Lima esquina com r. Tabapuã, tel. (011) 822-5331

Bar: Bogart
Onde: av. Nova Faria Lima, 34, tel. (011) 866-2171

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