São Paulo, sexta-feira, 7 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O segredo da respiração

JOSÉ SARNEY

O secretário de Assuntos Econômicos do Departamento de Estado, senhor Stuart Eizenstar, cobrou do Brasil na recente reunião do Fórum Econômico Mundial uma "genuína abertura para nossas indústrias" ("nossas", do Brasil) desenvolvendo uma teoria sobre a respiração: "O mundo está se movimentando tão rapidamente que você não pode se dar ao luxo do chamado tempo para respirar, acreditando que o mundo respirará tanto como você". Enquanto isso o ministro Lampreia avisa "que não podemos correr o risco de uma segunda onda liberalizante", temos que parar para respirar, senão morremos.
O secretário americano quer que não respiremos e o ministro brasileiro diz que se não respirarmos morreremos.
É realmente uma situação difícil. É aquela história de que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Aplicada essa lei ao conceito da respiração econômica do secretário Eizenstar, estaremos realmente comidos. A onda liberalizante nos levou a altos índices de desemprego, os maiores da história, a indústria nacional está agonizante com a selvagem abertura dos mercados, a balança comercial por mais que seja incentivada não reage o suficiente para tranquilizar os analistas internacionais e nos mandam: tem de abrir mais e mais, já e já, e parar a respiração!
Está claro que isso tudo tem outro objetivo. É gato escondido com o rabo de fora, como se lê na advertência do senhor Eizenstar: "Em 2005 vamos ter a integração hemisférica com a Área de Livre Comércio das Américas com certo grau de tensão entre o componente Nafta (mercado comum USA/México/Canadá) e o Mercosul".
Ora, essas pressões são movidas pelo desejo de ocupar a economia dos nossos países por meio de uma abertura selvagem, com a desnacionalização significativa de nossa economia para, quando a Área de Livre Comércio das Américas chegar, não haver mais concorrentes por aqui.
Seremos somente uma reserva de mercado. Por isso é imperioso não termos tempo para respirar.
Quando criamos, eu e Alfonsín, o mercado comum Brasil-Argentina, os Estados Unidos julgaram ser uma iniciativa contra eles. Ficou tudo claro. Sermos a nosso favor é interpretado como ser contra eles.
Por isso é que desconfio quando o Bird condena o Mercosul, a OMC exige assinarmos logo o ITA (liberalização do comércio da tecnologia da informação), abrem-se as ameaças de sanções pelas cotas de automóveis, as violentas pressões para vender-se urgente a Vale por meio da Merryl Lynch (essa mesma empresa que administrou lá fora, conforme noticiam os jornais, sem desmentidos, uma parcela dos milhões de dólares roubados da Previdência aqui dentro) e pede-se acelerar a abertura, leia-se, "o domínio estratégico do Brasil". Enquanto isso, o mesmo Departamento da Indústria dos Estados Unidos comunica: "Por causa da abertura comercial os EUA estão, de longe, levando vantagem em relação ao comércio bilateral com o Brasil." Assim, não há como deixar essa coisa "de respirar".
Eles sabem o segredo da respiração.

Texto Anterior: U-tererê
Próximo Texto: REALIDADE; CORREIO ELEGANTE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.