São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Philip Glass avança no pop com 'Heroes'

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de uma década vivendo a crença da música dos mínimos elementos que se repetem, o minimalismo, o norte-americano Philip Glass, 60, continua em seu projeto de resgatar o "frescor" para os eruditos. E sua fonte é, mais uma vez, a melodia dos músicos pop Brian Eno e David Bowie.
Em férias no Brasil -para terminar de escrever uma nova ópera- Glass acaba de lançar "Heroes Symphony", segundo trabalho baseado em três discos que Bowie gravou em Berlim nos anos 70, com produção de Eno.
Glass já havia feito o mesmo com "Low", em 1993. Resta "Lodger", ainda sem qualquer previsão de lançamento. Leia abaixo trechos da entrevista que o compositor concedeu à Folha.
*
Folha - O que o sr. descobriu em Brian Eno e David Bowie que nunca encontrou na tradição da música erudita?
Philip Glass - O que me interessa neles é que ambos têm origem na tradição da música popular. Tentam trabalhar com outras formas, tentam nos apresentar alguma coisa de novo. E acho que a música que eles fazem...
Bem, provavelmente eles não conseguem ler partituras, não têm uma formação voltada para isso, mas são capazes de entender a melodia e produzem algo com um extremo frescor. Isso porque não tiveram formação em conservatórios.
Os dois são pessoas muito inteligentes e conhecem muito sobre música e arte. São pessoas muito inventivas. Isso foi o que me interessou na música dos dois. O desejo de ter alguma coisa nova nas mãos.
Folha - É necessário a mistura com o popular para conseguir o frescor?
Glass - Eu, pessoalmente, não preciso disso. Tenho muitos projetos a fazer. Quando ouvi a música de "Heroes" pela primeira vez, em 1978 ou 1979, pensei que estava diante de uma música muito original, muito forte.
Imaginei que talvez pudesse fazer alguma coisa com aquelas canções, porque achei que podia conduzir aquelas melodias para algum lugar que eles não tinham conseguido chegar. Eles vinham de outra escola. Vinham de uma outra história.
Pensei que poderia ser interessante mostrar a eles algumas coisas que eu já sabia, porque, na verdade, a música de Eno e Bowie não necessita de reparos, pois já é bela. Mas fiquei muito curioso com o que poderia surgir se eu acrescentasse uma outra visão.
Folha - Os novos eruditos parecem estar mais voltados à opera.
Glass - Em termos da ópera, acho que o interesse sempre ocorreu. Acho que a grande razão desses compositores estarem escrevendo óperas agora é porque ela é popular. Ópera sempre foi um meio mais propício para incorporar elementos da cultura da diversão, pois sempre foi também um tipo de show, de Verdi a Mozart. E acho que isso acontece ainda hoje.
Folha - O sr. não se interessa mais pelo minimalismo?
Glass - Eu não estou mais interessado nisso. Tudo aconteceu entre 1969 e 1979. Havia uns 20 compositores. E o que estávamos tentando fazer naquele período era reformar a linguagem da música moderna.
Então nós começamos a seguir caminhos diferentes. Eu comecei a me envolver com trilhas e óperas. Outras pessoas continuaram fiéis ao movimento. Outras realizaram trabalhos mais lacônicos. As pessoas que originalmente pertenciam ao movimento partiram em diferentes direções.
Mas a contribuição que dei para a ópera pode ter sido única, porque vim do movimento minimalista. Com os anos, eu me interessei mais pelo canto. Isso talvez explique a minha aproximação com o trabalho de Bowie e Eno.
Folha - O sr. tomou distância dos compositores Steve Reich ou John Adams, os minimalistas que estiveram ao seu lado?
Glass - Eu encontro John algumas vezes e ainda sei o que anda produzindo. Conheço muito bem a música que ele faz. Não é necessário para mim escutá-lo com frequência.
Quando ouço música, eu estou mais interessado no trabalho de jovens compositores. Por isso gravo trabalhos dos novos no selo Point Music. Pessoas como Gavin Bryars. Eu não estou interessado em quem faz música parecida com a minha. Estou interessado em quem consiga produzir alguma coisa de nova e diferente.
Folha - Point Music é um de seus grandes projetos?
Glass - Eu me tornei um parceiro comercial da Polygram. Assim eu posso fazer os discos que quero e como quero.
Folha - Mas estamos em momento que alguns compositores preferem a tradição no lugar do "novo", como o estoniano Arvo Pãrt.
Glass - Eu gosto dele, mas ele vem de um mundo diferente. Penso que os compositores europeus têm mais problemas com a sua própria história. Na América, não estamos presos à tradição e podemos ser mais livres com o nosso trabalho.
Os europeus enfrentam mais dificuldades. O tempo para a música experimental está realmente terminado. Não estou muito certo do que poderá ser escrito agora. Talvez o mais importante seja desenvolver um estilo pessoal e a integridade em sua música. Se você descobre a integridade não importa mais se o que faz é ou não parte da vanguarda.

Texto Anterior: Science pode ter homevideo, CD e livro
Próximo Texto: Obra renega os princípios minimalistas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.