São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997
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'Poder das ruas' gerou crise no país

NEWTON CARLOS
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Ultimamente voltou-se a falar do "poder das ruas". Primeiro as greves na França, contra reformas na previdência, e há pouco na Coréia do Sul, em oposição aos cortes em direitos sociais. Manifestações populares na Sérvia contra o último stalinista em palácio etc. Seria o mesmo no Equador?
A crise institucional, o confronto entre o Congresso e o presidente, seguiu-se a pressões nas ruas contra o "ajuste estrutural" à la Argentina, portador do fantasma do desemprego, e a corrupção, lançadas em janeiro passado pelos sindicatos e entidades indígenas.
Abdalá Bucaram, eleito presidente equatoriano com discurso e gestos populistas e empossado há apenas seis meses, é elemento estranho na política tradicional do Equador, que é fortemente oligárquica.
Como tal vinha produzindo medos e incertezas, apesar da adoção de programa econômico que incorporou as linhas mestras do pensamento dominante na América Latina.
O ex-ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, tinha entrada livre em seu gabinete. Mas um comportamento errático, "enlouquecido", segundo seus críticos, deixava as mansões de cabelo em pé.
Bucaram nunca dividiu o poder com a família, e em seu círculo mais íntimo predominavam negociantes do porto de Guayaquil tidos como contrabandistas pela elite.
O próprio embaixador dos Estados Unidos denunciou extorsões contra "empresários sérios", dizendo que a corrupção se institucionalizava no Equador, o que seria verdade, embora o diplomata estivesse se metendo onde não devia.
Maioria da oposição no Congresso, no entanto, não era suficiente para um xeque-mate, imaginado desde a posse.
Vieram, então, as manifestações de rua, as pressões populares contra o "ajuste", que em determinado momento tiveram o apoio de mais de 90% dos equatorianos. Não tardaram em tornar-se crise institucional.
Aparentemente a política tradicional conseguiu o gancho de que precisava para se jogar contra um fator de tumulto.
Nada disso elimina o fato de que Bucaram faz jus ao apelido de "El Loco", instalou a família e a corrupção em palácio e acabou xingado por todo mundo. Mas o golpe final não foi das ruas. Foi da política tradicional.

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