São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vale ouro

PEDRO SIMON

Duas notícias foram manchete, nos últimos dias, e mantêm forte correlação com a anunciada privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
A primeira refere-se à descoberta de jazidas de ouro no Pará. Os números oscilam entre 150 e 500 toneladas.
A outra é a venda, no Peru, da Arequipa Resources. Suas reservas, estimadas em 150 toneladas, foram adquiridas pela canadense Barrick Gold por US$ 780 milhões, a mesma que já havia comprado, há dois anos, a mineradora LAC Minerals, proprietária da mina de ouro de El Indio, no Chile, com 180 toneladas, por US$ 1,7 bilhão.
As novas descobertas demonstram o desconhecimento do nosso potencial de recursos minerais. Há estimativas de que, na Amazônia, o patrimônio mineral é avaliado em US$ 1,6 trilhão. Apenas as reservas confirmadas de ouro de Carajás atingiriam, no mercado, algo como US$ 4 bilhões.
Os números divulgados para que o Estado brasileiro abra mão do controle acionário da Vale nunca chegam à casa dos US$ 3 bilhões, valor pouco superior aos negócios da Barrick Gold para adquirir duas mineradoras de ouro. Como os números divulgados não foram contraditados, mantêm-se as expectativas sobre os resultados finais dos trabalhos de avaliação contratados pelo BNDES.
As duas notícias também repercutem incerteza sobre o modelo de privatização proposto para a alienação dos ativos da Vale. Se é possível vender jazidas sem macular a importância estratégica de uma multinacional do porte da CVRD, por que insistir no modelo de privatização "em bloco"?
Se é verdade que a venda da Vale tem como objetivo principal "fazer caixa", os exemplos das minas de ouro chilenas e peruanas não justificariam a alienação de atividades específicas, de cujos bons negócios poderiam resultar os recursos necessários à "manutenção do programa de estabilização"? Por exemplo, a produção de alumínio, as florestas comerciais e a indústria de celulose ou, até, uma ou outra mina de ouro? Afinal, o Chile, privatizante, inspirador e multiplicador do "efeito Pisco", não manteve o monopólio estatal sobre suas reservas de cobre, as maiores do mundo?
Como valorizar e privatizar a massa crítica que se desenvolveu na Vale durante meio século? Não seria mais prudente e estratégico manter o Estado brasileiro como detentor do conhecimento que se adquiriu para transformar recursos minerais em riqueza, sem ferir a soberania do país?
As notícias apenas reforçam as minhas dúvidas e sedimentam as minhas convicções. É por isso que encaminhei proposição no sentido de que o Senado Federal promova, imediatamente, um amplo debate sobre questões relativas à privatização da Vale. Com a palavra a sociedade, a inteligência brasileira e, principalmente, o governo federal.

Texto Anterior: Defender a Vale
Próximo Texto: Incerteza reduzida
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.