São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mercado japonês cresce com mania de limpeza

Le Monde
de Paris

PHILIPPE PONS
EM TÓQUIO

Os jovens japoneses estão transformando a mania nacional de limpeza em obsessão.
Tanto é assim que a fobia da sujeira está começando a alimentar um crescente mercado de produtos assépticos, entre os quais figuram os artigos mais inesperados possíveis: canetas e calculadoras antibactérias (tratadas com um agente que combate os germes), meias antiodores, secadoras de roupa auto-esterilizantes para lavanderias, máquinas para lavar e passar cédulas de dinheiro, microfones descartáveis para karaokê ou telefones e os mais diversos sprays para desinfetar boca e mãos.
Sem querer fazer como Rudyard Kipling, transformando a mania de limpeza dos japoneses em "virtude natural, nacional e patriótica", é preciso admitir que é uma característica que não é partilhada por chineses nem coreanos.
É possível que a origem do fenômeno esteja nos velhos rituais de purificação do culto xintoísta. No mundo moderno, ele se traduz por uma atenção meticulosa à higiene, da qual certas expressões suscitariam sorrisos no Ocidente.
É o caso dos chinelos destinados especificamente para uso no banheiro ou do uso de uma máscara de gaze diante da boca, para não contaminar a si próprio ou às pessoas com quem se conversa (elas não se destinam a evitar o contato com a poluição do ar).
A limpeza dos "templos" do capitalismo japonês e dos locais públicos integra o rol dos serviços urbanos normais. O recente incidente de intoxicação alimentar pelo vírus O-157, que resultou em 12 mortes, intensificou a obsessão nacional com a limpeza.
Para responder à demanda criada, os industriais japoneses colocaram no mercado cerca de 600 produtos assépticos ou antigermes, representando vendas anuais de 4,5 bilhões de ienes.
Essa caçada obsessiva aos micróbios, detalhada num "Manual dos Riscos de Contágio", é obra da geração jovem e, em especial, das mulheres, que a levam ao extremo.
Algumas expressões do fenômeno são a escovação repetida e compulsiva dos dentes (as vendas de pastas de dentes foram multiplicadas por cinco em quatro anos), a lavagem das mãos após o contato com qualquer coisa e a utilização sistemática de proteção de papel nos banheiros públicos.
Outro sintoma dessa mania de higiene é o sucesso do bidê portátil, um aparelho movido a pilha, de dimensões comparáveis às de uma torneira, chamado "Petit Washlet", cujas vendas chegam a 200 mil unidades por ano.
Ainda outro produto que faz sucesso entre os jovens japoneses é o comprimido que elimina os odores das fezes, para poupar de incômodos olfativos o próximo usuário do banheiro. Concebido originalmente (assim como a maioria dos produtos antigermes colocados no mercado) para fins médicos, neste caso para amenizar o trabalho das assistentes que cuidam dos idosos que sofrem de incontinência, acabou servindo à fobia dos odores corporais.
Para os psicólogos, essa obsessão pela higiene assume contornos patológicos: fobia do contato humano, ansiedade provocada pelo medo constante de uma contaminação etc. Entre as crianças, o insulto mais em voga é chamar seus colegas de "baikin" (micróbio).
Nova doença social, a mania de higiene acentua o caráter artificial de um ambiente já dominado pelo plástico, esse "símile que", escreveu Roland Barthes, "suprime a hierarquia das substâncias".

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Pornografia também é cultura
Próximo Texto: Geração é cultivada para o futuro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.