São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 1997
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Braguinha vê o Carnaval passar

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Em 29 de março próximo, completa 90 anos uma trajetória pessoal que se confunde com a do próprio Carnaval carioca -e brasileiro. Faz aniversário Braguinha -ou João de Barro-, autor de uma infinidade de composições indissociáveis do espírito do Carnaval, como "Chiquita Bacana", "Touradas em Madri", "Pirulito", "Pirata da Perna-de-Pau".
O autor, nas últimas décadas mais esquecido que suas marchinhas, não recebe muitas homenagens no Carnaval que antecede os 90 anos. Por enquanto, só a gravadora Revivendo fez um tributo ao artista: lançou um volume de 23 faixas, síntese de sua produção.
As poucas canções que ele tem composto permanecem inéditas, sem despertar interesse de gravadoras ou intérpretes.
"Meu aniversário vou comemorar aqui em casa, com a minha família", afirma o compositor em entrevista à Folha em sua casa, em Copacabana, no Rio -leia trechos a seguir.
*
Folha - Como o sr. vê o Carnaval hoje em dia?
Braguinha -É naturalmente diferente do Carnaval antigo, porque todas as coisas mudaram. Mas está muito bom ainda, eu gosto.
Tenho uma música que diz: "Não há mais lança-perfume/ Nem serpentina no ar/ Meu Carnaval se resume em ver a escola passar/ E eu só repito a pergunta/ Que o tempo não respondeu/ O que teria mudado, meu Carnaval ou eu?". Não sei se foi ele ou fui eu, mas ainda gosto muito da festa.
Folha - Músicas como o "Tchan" e a "Boquinha da Garrafa" seriam equivalentes às que o sr. fazia nos carnavais antigos?
Braguinha -Eu não gosto do estilo, mas há quem goste. Eu faço o estilo que gosto. Há quem goste, deixe que se divirtam.
Folha - Por que o apelido João de Barro?
Braguinha -Papai não gostava desse negócio de sambista. Naquele tempo, era sinônimo de desocupado. Então, para não botar o nome dele, botei João de Barro. Aí ficou. Mas tenho vários nomes. Meu nome todo é Carlos Alberto Ferreira Braga. Para os amigos, Braguinha. Para a família, Carlinhos. Para a mulher, Braga. Para Herivelto Martins, eu era Jiló -pequenino e amargo (ri).
Folha - O sr. se considera um dos inventores do Carnaval brasileiro?
Braguinha -Não. Eu aproveitei a invenção dos outros, enquanto pude. Mas colaborei. Ao todo, tenho 500 músicas gravadas, entre elas muitas de Carnaval, dependendo do assunto do ano, do coração das meninas que eu conhecia.
Folha - O componente de malícia das letras era uma regra?
Braguinha -Eu usava, mas eu nunca fui muito malicioso. Quer dizer, nunca fui indecente. Fui malicioso. Fiz "Garota de Biquíni", "Garota de Monoquíni": "A garota monoquíni/ Que beleza de menina/ Foi à praia sem confete/ Só levou a serpentina".
Folha - O sr. compôs músicas infantis também.
Braguinha -Eu sempre gostei muito de criança e comecei a fazer historinhas para meus filhos. Tomei gosto e acabei lançando histórias. Virou a coleção "Disquinho", em que eu inventava minhas histórias ou fazia música para clássicos como "Branca de Neve". Agora mudaram o nome de "Disquinho" para "Era Uma Vez".
Folha - O sr. continua a compor?
Braguinha -Componho alguma coisa, mas não com aquela atividade da juventude. De vez em quando, quando vem uma idéia, faço uma canção. Mas não com muita intensidade. Hoje em dia, o que componho em geral é sozinho, porque a maioria dos parceiros está lá em cima, não é?
Folha - Tem músicas inéditas?
Braguinha -Faço pouca música hoje em dia. Quase tudo que eu tenho está gravado, muito pouca coisa não está. Há, mas não vou ficar indo às fábricas para oferecer. Se me procurarem, muito bem.
Folha - Em sua opinião, há um nome que seja o maior de todos os sambistas?
Braguinha -Uns são maiores, outros, menores. Mas eu não cito nomes, porque os que eu não citar vão ficar tristes comigo. Mas há.
Folha - Quando começaram a surgir sambistas que vinham do morro, como Cartola e Nelson Cavaquinho, o sr. fez críticas a eles. Havia alguma rivalidade?
Braguinha -Não. Apenas não faziam meu gênero. Mas achava formidáveis. A concorrência é natural entre os artistas.
Folha - Há uma predileta entre suas 500 músicas?
Braguinha -Depende do dia, do estado d'alma. Às vezes estou mais apaixonado, outras vezes, mais alegre... Uma das preferidas sempre é "Copacabana".
Folha - Essa é uma canção que antecipou a bossa nova?
Braguinha -De certo modo. Veio junto com as primeiras músicas da bossa nova, mas não vou dizer que fui eu que comecei. Algúem começou, eu fui lá e segui. E continuei fazendo o que eu gosto, o que nasci para fazer.
Folha - O sr. acha que o Brasil faz justiça à sua importância?
Braguinha -A vida me deu tempo. Não tenho queixas da vida, só uma -uma menina que namorei e um dia encontrei beijando outro. Fiz uma música para ela: "Se eu morrer amanhã, eu lhe juro, querida/ Que você é a única mágoa que eu levo da vida".
Folha - Essa mágoa continua guardada até hoje?
Braguinha -Não, eu já esqueci. Nem me lembro mais dela.
Folha - O que o sr. achou do disco recém-lançado pela Revivendo?
Braguinha -Tem essas músicas todas, não é? São minhas músicas antigas. Está muito bom o disco.
Folha - O que o senhor pretende fazer neste Carnaval?
Braguinha -Depende dos convites. Quando a Mangueira me convidou, desfilei e fui muito feliz.

LEIA MAIS sobre Braguinha à pág. 5-3

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