São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 1997
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Não se pode dar adeus ao futuro

ABRAM SZAJMAN

Riscos e sacrifícios cercam o exercício competitivo da empresa brasileira. Reduzir custos e cortar despesas para investir na eficiência gerencial, na excelência produtiva e, portanto, na redução dos preços finais não tem sido nada fácil.
Embora consensual, o processo de reciclagem da economia nacional, do qual depende o êxito dessas iniciativas, e ao qual estão associados os agentes econômicos, a Presidência da República e as instituições política, legislativa e jurídica, sofre contínuos percalços.
Alguma coisa desvirtua esse esforço conjunto, e não é difícil identificá-la: o parceiro a quem caberia atuar com maior clareza e determinação hesita e falha nos compromissos assumidos. Age de forma dúbia. Defende, aponta e recomenda caminhos, porém resiste à idéia de trilhá-los. Embora declare a intenção de eliminar os entraves e reduzir os encargos que oneram a produção, a prática do Estado é a de complicar a vida das empresas.
Altera as regras do jogo durante o jogo, transformando o empresário num refém da burocracia, escravo de regulamentos que o impedem de exercer sua capacidade criativa e empreendedora. Mudanças em cascata invalidam hoje o que era válido ontem, sem nenhuma garantia de que continuarão a valer amanhã.
Os números e os resultados do programa de privatizações, o déficit público e o andamento das reformas, sobretudo a fiscal e a administrativa, comprovam esse comportamento errático.
Outro exemplo emblemático e recente da crônica inconfiabilidade estatal-administrativa é o Simples, mecanismo destinado a favorecer as operações das pequenas empresas.
O Estado abre portas à simplificação, mas os Estados não revelam disposição de atravessá-las. No Brasil, pelo menos até o momento, apenas se simplifica aquilo que só depende da iniciativa privada.
Mas, vencido o primeiro round da reeleição, exatamente quando cumpriu a primeira metade do mandato presidencial, o governo ingressa numa fase decisiva, fortalecido na Câmara e no Senado. Assim, com a possibilidade de se recandidatar ao cargo quase assegurada, o presidente Fernando Henrique Cardoso tem tudo para levar adiante os projetos que permitirão ao Brasil crescer mais depressa e de forma auto-sustentada.
Trata-se de desatar os nós da Previdência Social em ruínas, das estatais monopolistas e ineficientes, dos impostos iníquos, do funcionalismo e dos orçamentos públicos à beira do colapso financeiro. Como manter um sistema previdenciário onde para cada dois trabalhadores na ativa há um aposentado? Como manter estatais que só sugam recursos?
No campo fiscal, a multiplicidade dos tributos, o peso das alíquotas e a complexidade do sistema arrecadatório resultam em encargos insuportáveis para os contribuintes e em receitas incompatíveis com o potencial e as necessidades do Estado. Em vista disso tudo e das radicais transformações econômicas e tecnológicas, cai o nível de emprego.
Iniciativa privada e trabalhadores estão no limite da resistência, enquanto o Estado continua em ritmo normal de crescimento. A máquina estatal empurra custos para o setor privado por meio não apenas de impostos, mas também pelas taxas de juros, usadas como espécie de lastro de equilíbrio da corda bamba do déficit. Com maior ou menor produção, não importa, o Estado abocanha fatias cada vez maiores das riquezas criadas pela nação.
Entre nós, impostos e tarifas públicas cumprem o papel de fundo de assistência financeira ao Estado. Quando este se pilha sem recursos, aumenta alíquotas e taxas ou atira novos encargos sobre os contribuintes, dando forma concreta à expressão "custo Brasil", hoje muito usada, inclusive para escamotear as verdadeiras causas de tantos erros.
O maior impacto decorrente do "custo Brasil" é o custo do Estado em todas as esferas de governo. Inchado e ineficaz, nosso aparelho estatal é caro e, para se manter, para alimentar o gigantismo patológico de seu corpo, traga verbas preciosas ao desenvolvimento do país. Surrupia recursos da economia popular quando precisa tapar rombos resultantes da própria ineficiência, até mesmo agora, no cenário de estabilização monetária do Real.
E não há como o setor privado deixar de se contaminar pelos custos que lhe são transferidos, que se refletem na menor competitividade de produtos, bens e serviços -e que, por consequência, eliminam as perspectivas de geração de empregos. Sem o fim dessas distorções, não há saída senão lamentar o tempo perdido, dar adeus ao futuro e resignar-se a viver no passado.

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