São Paulo, sexta-feira, 14 de fevereiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O aperto do câmbio

CELSO PINTO

Deixar o real se valorizar frente ao dólar, em função das altíssimas taxas de juros praticadas depois do Plano Real, foi uma política deliberada de natureza recessiva, que custou entre 2% e 3% de crescimento da economia tanto em 1994 quanto em 95. O que tornou o câmbio o mais eficaz instrumento da política monetária do Real.
A análise é do diretor do Banco Central Francisco Lopes num trabalho apresentado no final de janeiro numa conferência no BIS, o banco dos bancos centrais, sediado na Basiléia. O tema era "os mecanismos de transmissão da política monetária", por meio dos quais aumentos ou reduções nas taxas de juros afetam o ritmo da economia.
Mais do que interessante, o trabalho de Lopes ajuda a entender a lógica da política seguida pelo Plano Real e a dar pistas sobre o futuro.
A tese central é que, numa economia com alta inflação, os altos juros perdem toda a sua eficácia como instrumento de controle da demanda e da inflação. À medida que a estabilização se consolida, a política recupera a eficácia, mesmo com taxas de juros muito mais baixas.
Na transição, contudo, a valorização do câmbio foi a principal ferramenta. Lopes tem dito que a âncora do Plano Real é monetária e não cambial. Quando a âncora é cambial, o câmbio é fixo (ou conversível, como na Argentina), e a taxa de juros acaba sendo determinada pelo câmbio. No caso do Brasil, ao contrário, foi a enorme subida dos juros (a política monetária) que, ao atrair dólares, levou à valorização do real frente ao dólar.
Ao valorizar o real, essa política afetou as exportações, que ficaram menos competitivas, e estimulou as importações (que ficaram mais baratas), nos dois casos afetando a produção interna. "Esta natureza recessiva no movimento da conta comercial" acabou mascarado, em parte, pelo "boom" de consumo provocado pelo fim da inflação e que levou o PIB a crescer 5,8% em 94 e 4,3% em 95. Sem a valorização do câmbio, diz Lopes, a economia brasileira teria crescido de 2% a 3% a mais por ano, a julgar pela experiência argentina.
A partir de 95, o BC passou a intervir no câmbio, impedindo uma valorização ainda maior do real, tentando "evitar uma deterioração adicional da balança comercial". Como os juros continuaram altos e atraindo dólares, essa política levou ao acúmulo de enormes reservas cambiais.
Daqui para a frente, quanto mais se recuperar a eficácia da política monetária, menores precisarão ser os juros. Só quando os juros internos forem comparáveis aos internacionais e o câmbio for flexível (oscilando conforme a oferta e procura), define Lopes, será possível considerar a estabilização realmente consolidada.
Essa eficácia depende tanto do alongamento dos prazos dos títulos quanto do crédito bancário.
Quando os títulos são de prazo longo, um aumento dos juros acaba reduzindo o valor presente dos papéis existentes (porque eles embutem juros menores) e a riqueza de seus detentores, levando-os a reduzir seus gastos. Na época de alta inflação, mesmo papéis de prazos longos tinham sua remuneração vinculada à variação do juro diário ("overnight"). Portanto, uma subida dos juros não gerava o chamado "efeito riqueza" e não afetava o ritmo da economia.
Em economias nas quais indivíduos e empresas têm ativos e passivos de prazo longo, um aumento dos juros encarece o custo do passivo e leva à redução dos gastos. Além disso, juros mais altos aumentam o risco e levam os bancos a reduzir os empréstimos a empresas médias e pequenas.
No Brasil da inflação alta, não havia créditos de longo prazo. Como os bancos ganhavam com a inflação, não tinham interesse em ampliar os créditos. Também por aí, portanto, juros altos eram inócuos. Na medida em que os bancos perderam os ganhos inflacionários e voltaram a emprestar a prazo mais longo, uma mexida nos juros tende a ter um impacto maior.
A alta inflação, de outro lado, vinha acompanhada de alta volatilidade, levando os investidores a exigir um "prêmio" extra que dificultava o cálculo do que eram juros reais.
Com menos inflação, desaparece esse prêmio e juros menores se tornam mais eficazes.
Como o BC tem mantido sua política de queda gradual dos juros, mesmo preocupado com o aquecimento da economia, presume-se que Lopes aposte em que os instrumentos de política monetária já reconquistaram alguma eficácia. O que permitiria abrandar, também, o uso do câmbio valorizado.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

Texto Anterior: Papa deve pedir justiça social
Próximo Texto: Governo quer de volta parte de indenizações
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.