São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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"O ambiente é muito especial", diz FHC sobre audiência com papa

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

Na despojada biblioteca pontifícia, está terminando a parte pública da audiência que o papa João Paulo 2º concedeu ao presidente Fernando Henrique Cardoso.
Abatido, a cabeça curvada sobre o peito, o papa se levanta e dá a bênção ao grupo de 16 autoridades brasileiras. FHC, empertigado, faz o sinal da cruz.
É o começo de uma viagem espiritual para um homem de cultura ancorada firmemente no ateísmo, o que ele, no entanto, nega.
"Fiquei comovido, porque é todo um ambiente muito especial", diria mais tarde.
"Não só o catolicismo, mas todo o cristianismo, serviu de base para a formação brasileira e de todos nós, pelo menos a minha formação", acrescenta.
O mergulho desse intelectual de formação marxista no mundo espiritual começa com toda a pompa que a Igreja Católica soube manter ao longo dos séculos.
Pela manhã, um carro oficial do Vaticano vai buscar o presidente na embaixada brasileira em Roma.
Lá mesmo, FHC é condecorado com a Ordem de Piano, praxe quando um dignitário estrangeiro visita oficialmente o Vaticano.
Colar
É com o colar da Ordem que FHC, de casaca e faixa presidencial ao peito, chega ao Átrio de San Damaso, no interior da monumental Basílica de São Pedro, consagrada em 1626, o coração do catolicismo.
A Guarda Suíça, responsável pela segurança do Vaticano, presta-lhe as honras de estilo, enquanto lá fora os ambulantes oferecem aos jornalistas cinco terços por R$ 20 e dizem aceitar até a moeda brasileira, o que nem os bancos fazem.
Todas as quatro mulheres da comitiva vestem vestidos longos pretos, véu também preto na cabeça. São Ruth Cardoso, a primeira-dama, Lenir Lampreia, mulher do chanceler Luiz Felipe Lampreia, e as mulheres do general Alberto Cardoso, chefe do Gabinete Militar, e do embaixador no Vaticano, Thompson Flores.
FHC é conduzido à Sala do Trono, onde o papa o encontrará. Depois, trancam-se só os dois na biblioteca para a audiência.
Em português
Conversaram em português o tempo todo.
"Por vezes, eu próprio achava que não estava sendo suficientemente explícito, queria deixar mais claro e mudava de língua, mas ele voltava ao português. Acho que ele tem uma certa familiaridade com o português, tanto que fala o 'ão', que é difícil de pronunciar", relataria depois FHC.
Falaram sobre o Brasil, seus problemas econômicos, sociais e políticos.
"Foi uma conversa estimulante, sem nenhum ponto de choque, pelo contrário. Ele tem uma visão muito objetiva das coisas do Brasil. Tem sobretudo essa noção de processo, de que as coisas não mudam de um momento para o outro", contaria o presidente.
O papa lê um discurso protocolar, a mão esquerda tremendo muito, tanto que faz balançar as folhas de papel. O papa recolhe-a e ampara-a no braço da poltrona.
Respira fundo a cada trecho. Ao terminar, passa a mão lentamente no rosto pálido, como se limpasse o suor, os olhos semicerrados.
FHC lê o seu discurso, também protocolar. O papa mantém a cabeça baixa. Seus assessores perguntam a todo momento aos jornalistas se ainda falta muito.
Presentes
Terminam as falas, FHC apresenta cada um de seus acompanhantes e leva o papa até os presentes que lhe trouxe: uma gravura que mostra José de Anchieta lecionando aos índios e a primeira edição da ópera "O Guarani", de Carlos Gomes, "o maior compositor brasileiro", explica.
O papa dá ao presidente um quadro, em cobre de alto relevo, mostrando São Pedro e São Paulo.
Despedem-se. FHC e comitiva visitam a Basílica, que parece ainda mais gigantesca na ausência de turistas, já que fora fechada ao público para a visita presidencial.
Param em duas das 11 capelas (a do Santíssimo Sacramento e a da Madona Gregoriana).
Tumba
E, claro, no ponto central, o altar erguido sobre a tumba de São Pedro, o primeiro papa.
Na primeira capela e na última, FHC ajoelha-se e reza.
Está terminando o mergulho espiritual de quem se acredita ter perdido uma eleição (para prefeito de São Paulo, em 85) por causa de uma pergunta sobre seu ateísmo.
Que ele nega de novo. "Quem diz que sou ateu é porque quer me criar problemas".

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