São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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Balança comercial: terror em janeiro

GUILHERME DA NÓBREGA; ROBERTO PADOVANI

GUILHERME DA NÓBREGA
ROBERTO PADOVANI
O episódio da balança comercial em janeiro é como um desses filmes de terror em que, após um longo e cada vez mais torturante suspense, chega-se ao desenlace esperado por todos, mas, que mesmo assim, choca pela agressividade das cenas e, acima de tudo, potencializa a ansiedade de quem já estava torcendo para algo de ruim acontecer.
Que o desfecho foi o esperado, não há dúvidas. Se a implantação do Siscomex no lado das exportações levou três meses para funcionar bem, como esperar outra coisa nas importações, que são até mais complicadas? No final, ajustou-se quase todo o número de importações de petróleo e, oficialmente, este será o único resíduo para fevereiro. Algo improvável, mas, em todo caso, esta é a voz oficial: o déficit de janeiro ficou em US$ 413 milhões.
Ressalvadas, portanto, as naturais deficiências de registro e um certo otimismo oficial, o governo só tem a comemorar os números de janeiro. As exportações chegaram a US$ 3,7 bilhões, crescendo mais do que esperavam os analistas. Não se viu por aí quem apostasse em mais de US$ 3,5 bilhões.
Em uma época em que só se fala na vulnerabilidade externa do país, este é o tipo de notícia de que o governo precisava para adiar possíveis alterações de política econômica, sem ter que explicar sua inação cinco, seis vezes todo dia.
Apesar do desfecho esperado, a trama do saldo de janeiro foi feita mesmo das pequenas surpresas que garantem a boa bilheteria. A primeira foi o caso Petrobrás, quase um assunto de segurança nacional, mais pelo que despertou de temores do que pelos problemas de registro ocorridos.
Descobertos os problemas com importações da Petrobrás, começou uma busca frenética por outros fantasmas. Falou-se em US$ 900 milhões de importações não registradas, que poderiam elevar o déficit de fevereiro a US$ 1,6 bilhão (em uma versão, esse seria o número que circula no MICT). Falou-se até em déficit superior a US$ 2 bilhões em fevereiro.
Mais interessante, começou-se até a duvidar dos números já fechados de 1996, a essa altura assunto sepultado. Falou-se de crise entre ministérios, de afastamento de Gustavo Franco, desvalorização imediata de 15%, reversão da abertura da economia, fraqueza do marco alemão e do iene devastando o saldo comercial, e por aí vai. Parece filme barato, mas estas idéias circularam em boas instituições financeiras.
Todos já sabemos que o problema na área externa está nas importações e decorre das mudanças de padrão de consumo no Plano Real. As exportações têm tido desempenho bem mais estável, crescendo (pouco) ano a ano. Esta é, aliás, a razão por que uma eventual reversão dos resultados negativos dependeria muito mais de contenção de consumo do que de mudanças na taxa de câmbio.
Sendo assim, a verdade é que estes problemas de registro atingiram exatamente a variável (importações) que mais tem complicado o sono de quem observa o ambiente econômico. Nada mais natural, portanto, que se criasse esta grande celeuma. Mas não há motivo para pânico. Eis um breve guia para as próximas semanas:
1) Não aposte que o governo está maquiando números. Com todo mundo de olho, seria difícil ele escapar ileso. Além disso, não valeria a pena sujar-se por tão pouco. Lembre-se, mesmo assim, de que o número de janeiro pode estar errado.
2) Não espere um déficit comercial colossal em fevereiro, uma espécie de prenúncio do fim dos tempos. O número "verdadeiro" deverá estar em torno de US$ 600 milhões, que, somado a alguma sobra de janeiro, poderia levar o número final a pouco mais de US$ 1 bilhão. Ruim, mas não cataclísmico.
3) Cuidado com a torrente de boatos que frequentarão o mercado financeiro nas próximas semanas. Pense duas vezes antes de comprar uma história fantástica relatada por algum amigo.
4) Pense que o número de janeiro foi positivo e que, portanto, o governo ganhou crédito e tempo para pensar sobre o que fazer nos próximos meses. Em outras palavras, ficou mais difícil apostar em mudanças de política econômica nos próximos 60 dias.
5) Finalmente, desfaça-se de idéias como a da desvalorização de 15% nas próximas semanas. Pelo que se sabe da conjuntura econômica até hoje, o dólar vai continuar onde está.

Guilherme da Nóbrega, 30, economista pela London School of Economics, é sócio da Trend Consultoria Econômica.
Roberto Padovani, 30, mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas, é economista.

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