São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 1997
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O lucro de cada qual

CLÓVIS ROSSI

Roma - Na segunda-feira, em Londres, Fernando Henrique Cardoso era o vendedor exuberante, capaz de pintar, no produto a vender, qualidades talvez superiores à realidade.
Oferecia aos empresários britânicos um Brasil de "altos lucros, com baixos riscos".
Ontem, FHC trocou o terno de vendedor pela casaca de gala dos contritos que visitam o Vaticano e o papa. Vendeu-lhe outros valores.
Exemplo: "Há poucas semanas, Vossa Santidade recordou que a busca de maior eficiência no mundo do trabalho é universal e legítima, mas não pode ter por objetivo apenas o lucro. Essa mensagem calou fundo no Brasil".
Exemplo adicional: o presidente considerou "iluminadas" as palavras do papa ao pregar a reconstrução do mundo, pós-Guerra Fria, "com base em valores morais que são o oposto da lei dos mais fortes, dos mais ricos e dos mais poderosos, que pretendem impor seus padrões culturais, exigências econômicas ou modelos ideológicos".
Depois, FHC fica irritado quando os jornais dizem que ele mandou esquecer o que escrevera e nega que o tenha feito.
Admitamos que valha tudo o que ele escreveu e que o mundo é que mudou, obrigando-o a rever posições, o que de resto todos fazemos cedo ou tarde, até que o esclerosamento nos impeça.
Mas como interpretar discursos tão fundamentalmente diferentes, em apenas quatro dias, de segunda-feira para a sexta-feira?
Será que o presidente fica possuído pelo local em que fala? Na segunda-feira, enchia a boca para falar de lucro, talvez por estar na City londrina, em que o lucro é um valor acima de qualquer outro.
Na sexta, estava no Vaticano, que não despreza exatamente o lucro, mas, enfim, em matéria de discurso, prefere valores mais intangíveis.
Vai ver que é isso mesmo que funciona.
Dizer a cada público o que aquele público específico mais gosta de ouvir.

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