São Paulo, segunda-feira, 17 de fevereiro de 1997
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Prefeitura paga aluguel de R$ 16,6 mil por teatro fechado

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

A fachada cor-de-rosa que se ergue, restaurada, entre o casario envelhecido da Bela Vista, bairro central de São Paulo, mascara a verdadeira situação do Teatro Brasileiro de Comédia.
O TBC -um dos marcos da dramaturgia nacional- não funciona desde setembro de 1995. Está fechado, mas custa à prefeitura um aluguel mensal de R$ 16,6 mil.
Hoje, quase 18 meses depois do fechamento, passa por reparos. Um passeio pelos cinco pavimentos do prédio, no entanto, permite constatar a manutenção precária que antecedeu a reforma.
Praticamente tudo cheira a mofo. Portas e janelas quebradas dão brechas para que pombas invadam a área interna e defequem em cima de máquinas, móveis e carpetes.
Poltronas carecem de encostos ou, então, têm os assentos rasgados. Uma pia, solta, se sustenta sobre um cavalete de madeira.
Manchas nas paredes denunciam vazamentos de água. A ferrugem corrói estruturas de metal.
Um laudo técnico de 1995, assinado pelo engenheiro Alvaro da Veiga, evidencia outros desleixos.
O documento, inédito, demonstra que equipamentos e objetos sumiram do teatro desde que a prefeitura virou locatária do pequeno edifício na rua Major Diogo.
A lista de perdidos surpreende pelo ecletismo. Há coisas miúdas, como lâmpadas, cinzeiros e material de limpeza. Mas há, também, caixas de som, refletores, sofás, ventiladores, bebedouro, interfone e até mesas de luz (leia quadro abaixo).
Festa
A prefeitura assumiu o TBC seis anos atrás. À época, embora mantivesse cinco salas abertas, o teatro já se achava em situação difícil.
A proprietária -Magnólia do Lago Mendes Ferreira, que também possui uma torrefação e exportadora de café-, não se dispunha a executar reformas prementes no prédio, construído entre as décadas de 20 e 30 (a data precisa é desconhecida).
O TBC sofria, ainda, assaltos constantes. Foram pelo menos três em 1990.
Temendo o fim da histórica casa de espetáculos, a classe artística paulistana se mobilizou e pediu ajuda à prefeita Luiza Erundina.
No dia 24 de janeiro de 1991, a Secretaria Municipal da Cultura alugou o teatro. Aproveitou e promoveu uma festa em que dizia estar dando o primeiro passo para "reanimar" o TBC. Logo depois, o reformou parcialmente.
"Até 1994, as cinco salas funcionaram em razoáveis condições", afirma o advogado Roberto Ascar, que presidia a Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp).
"Razoável não é a melhor palavra", contrapõe o ator Aldo Avilez, que encenou o musical "Sexo, Chocolate e Zambelê" no TBC entre agosto e outubro de 1992. "As instalações elétricas estavam sobrecarregadas e os camarins, cheios de goteiras."
Reforma
Em janeiro de 1995, já na gestão do prefeito Paulo Maluf, o teatro deixou de exibir espetáculos. Ficou assim até julho do mesmo ano, quando abrigou "Salve-me se Puder... E me Ame se Quiser", com Zilda La Mayo.
A peça permaneceu 45 dias em cartaz. Depois, nenhuma outra ocupou o TBC.
A prefeitura fechou o prédio para reformá-lo de novo. Mas só iniciou as obras em setembro de 1996, justamente quando a casa completou um ano de inatividade.
"Não começamos antes por falta de recursos financeiros", diz José Carlos Benedito, diretor do departamento de teatros da Secretaria da Cultura.
Ele informa que "os reparos" ainda estão em andamento. E que, entre outros serviços, a prefeitura revisou a instalação elétrica, substituiu telhas e calhas, recuperou sanitários, pintou a fachada do edifício e a sala principal.
Os custos, por enquanto, totalizam R$ 174.678,02.
Com o TBC fechado, a Secretaria da Cultura renovou o contrato anual de locação em maio de 1996 e passou a pagar o aluguel de R$ 16.682,82 mensais.
Vistoria
Um ano antes, a dona do imóvel contratou o engenheiro civil Alvaro da Veiga para vistoriar o teatro.
Entregou-lhe uma lista de 19 páginas, que consta do primeiro contrato firmado com a prefeitura. A relação indica tudo o que existia dentro do TBC em janeiro de 1991, quando o governo o assumiu. "Por cinco dias, percorremos o edifício conferindo cada item da lista", conta Veiga, que já inspecionou outras casas de espetáculo, como o teatro Ruth Escobar.
O engenheiro da prefeitura Reinaldo Saccoman Correia participou da perícia no TBC. "Avalizo as conclusões de Veiga quanto à checagem de equipamentos e objetos", disse à Folha.
Correia, porém, não assinou o laudo final da vistoria, que traz a data de 2 de fevereiro de 1995.
Procurada pela reportagem, a dona do edifício não quis conceder entrevista. Fez apenas uma declaração: "Essa história já me causou muita dor de cabeça. Espero que a prefeitura reponha tudo o que sumiu, arrume o que estragou e devolva o TBC à cidade."

LEIA MAIS sobre o teatro à pág. 4-3

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